Não enfileiro, pois, entre os que olham a proposta com certo, displicência, por a considerarem objecto insuficiente em qualidade e superabundante em texto para a atenção da Assembleia, se é que não julgam o assunto por de mais mesquinho para nos solicitar nesta hora de tamanhas preocupações.

Seja porque os horizontes limitados da minha vida simples de homem apegado ao meio rural me tolhem o espírito para voos mais altos, seja porque dentro de tais horizontes avulta tudo quanto possa interferir com a vida quotidiana do campónio, estimei realmente a oportunidade de concorrer para os últimos retoques num diploma que pode bulir de muitas manearas com interesses agrícolas e hábitos campesinos, e areio que haverá, na verdade, ainda lugar para pequenos aperfeiçoamentos, todavia de sensível alcance em dois ou três pontos.

Nem une repugna vier a Assembleia descer até matéria regulamentar, que, aliás, neste domínio já não é a primeira vez que o faz. O diploma paralelo ao que agora consideramos, aplicado às estradas nacionais, veio também a debate nesta Casa e precisamente a requerimento de uns quantos Deputados, alarmados, e com boa razão, por certas disposições, demasiado incomodativas do público, que ele continha na sua primeira forma de decreto-lei.

O acaso da oportunidade, ou a sorte de uma providência constitucional, hoje infelizmente suprimida - não sei bem, pois não sou desse tempo-, permitiu-lhes intervir, e não hesitaram em o fazer, honrando seus mandatos, sé]n se prenderem com a extensão e minuciosidade do articulado que desejavam analisar e melhorar. O Governo quis agora prevenir situação idêntica, mandando-nos cá estoutro regulamento: com aquele exemplo em mente, só temos que mais o louvar por isto.

Mas, ia eu dizendo, e volto à questão para sair do estrito âmbito da proposta em debate, nada me repugna, em verdade, ver a Assembleia debruçar-se sobre matéria apenas regulamentar, mormente se, pela largueza ou abundância das incidências, se destina a tocar sectores numerosos da população.

É mesmo nesta esfera, creio, que em nossos tempos se faz por vezes mais fortemente mister a intervenção de um poder moderador dos múltiplos condicionalismos, que tecnocratas obcecados pelas conveniências dos respectivos serviços intentam de quando em quando estabelecer, esquecidos ou indiferentes a que essas obedeçam às conveniências reais dos povos, à facilidade das suas lidas, à liberdade das suas pessoas.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Liberdade, no caso, contra os empecilhos da licença, da peia, da restrição de direitos, do tolhimento com formalidades e papeladas, quando a acumulação dos benefícios procurados não valha a soma dos trabalhos que acarretam e dos estorvos que impõem.

As civilizações têm de pagar a segurança com a perda de liberdades, é sabido; mas, por isto mesmo, quanto mais avançam, mais atentamente as sociedades devem medir as regalias que vão perdendo e contar o preço por que hes ficam. Na agitada vida de hoje o sossego do corpo, como do espírito, vai-se tornando o mais precioso dos bens, porque o mais raro; a complexidade crescente das relações dos homens entre si e com o quadro social é porventura a mais forte causa da sua fadiga, e por esta do seu descontentamento, já sendo tempo de perguntar se os não enervam mais as miríades de pequeninos constrangimentos regulamentares que todos os dias se lhes deparam a deter-lhes passos, do que as grandes compulsões fundamentais, por uma vez assentes.

Ora as classes mandantes - que começam sendo, mais do que os titulares do Poder, os agentes que os informam -, instruídas da vida cada vez mais por via da palavra escrita, que não lhes pode dar todos os toques da realidade, não cessam de querer melhorar o seu mundo também pela mesma via da palavra escrita, a golpes de preceitos tanto mais minuciosos quanto mais abundantes.

Anima-as, sem dúvida, o desejo de acertarem no serviço da colectividade, mas, como para este o natural e próprio é considerarem primordiais os respectivos departamentos, é, em regra, ao seu maior jeito que procuram ditar as suas normas.

Logo, primeiro ponto, convém sempre estar-se atento a inquirir do quinhão do público, do balanço das vantagens e do preço delas, de cada vez que o Executivo entende dever pôr novas regras à sua vida.

Vozes: - Muito bem!

Já fomos acusados de nos determos apenas sobre "questões de campanário" na apreciação dos diplomas governativos: fosse embora a crítica plenamente justa, que não é, e em aceitá-la-ia ainda, para a arredar reivindicando orgulhosamente para esta Assembleia o papel de defender a tranquilidade e segurança dos nossos mandantes, que é feita de mil pequenos usos e direitos, contra as ânsias perfeccionistas das secretarias.

Vozes: - Muito bem!

(Retomou a presidência o Sr. Albino dos Reis).

O Orador: - De minimis non curat praetor; pois bem, cuidemos mós das coisas mínimas, quando para alguns possam tornar-se graves! Nem nos prendamos com o número destes, se não ofendermos os demais; a lição dos livros sagrados, de que por amor de um só justo a cidade pecadora poderia ser salva, não deve apartar-se-nos dos espíritos sempre que tivermos de considerar a quem tocam, e como lhes tocam, as leis, ou os simples regulamentos.

Voltemos, porém, ao de hoje, certos já de que não desmerece o nosso estudo.

É claro que ele contenderá com toda a população do País, ao estabelecer regras novas, ou fortalecer as antigas, para a construção, conservação e polícia das estradas e caminhos por onde todos circulam e com que inúmeros confinam.