O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia!

O pensamento do Sr. Deputado João do Amaral está nitidamente expresso. De um lado o direito de propriedade em si, sem limitação, transcendendo o próprio Estado; do outro, o uso desse direito, que pode ser regulado e limitado. Este é, creio eu, o pensamento claramente expresso pelo Sr. Deputado João do Amaral, motivo por que o diálogo não tem razão de prosseguir. Peço ao Sr. Deputado Santos Carreto que continue nas suas considerações.

O Orador:- Muito agradeço a V. Ex.ª Continuemos, pois a colher testemunhos pontifícios.

Na sua mensagem de Setembro de 1944 (5.º aniversário da última guerra) o Santo Padre afirmou ainda e em termos claros o inequívocos:

O Estado, por interesse comum, pode intervir para regular o uso da propriedade e até, se de outra maneira não se pode prover equitativamente, decretar a expropriação, dando ao proprietário a indemnização conveniente.

Durus est sermo hic? É dura esta linguagem, Sr. Presidente?

Mas é profundamente humana, porque toda feita de justiça e de verdade.

E é só de hoje esta doutrina?

Já em meados do século n S. Clemente de Alexandria escreveu: «É absurdo que um só viva entre delicias e que milhares morram de fome».

E S. Cipriano escreveu também: «Uma grande fortuna constitui um grande perigo para quem a possui se, em vez de servir e multiplicar obras de bem-fazer, se torna um elemento auxiliar do vício».

Afirmações idênticas foram feitas por S. Tomás, por Soárez e tantos outros doutores da Igreja através dos tempos.

Não se trata, pois, de doutrina nova, mas sim de renovada proclamação de princípios que andaram sempre no código da Igreja de Cristo.

A propriedade, pois, como o maior e mais sensível dos bens reais, não depende, não pode depender, da fantasia ou capricho do proprietário, mas está rigorosamente subordinada a uma disciplina eminentemente social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: decerto que não se irá classificar de estranhamente revolucionários estes princípios estabelecidos pela ordem cristã.

São princípios eternos da eterna Sabedoria!

Não são eles, positivamente, contra a riqueza - importa frisá-lo com clareza iniludível; mas são, evidentemente, contra o mau aproveitamento e mau uso da riqueza.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Morais Alçada: - O problema é este: eu também não tenho dúvida em subscrever os princípios que V. Ex.ª está doutamente a expor.

Agora, o método de limitar o uso do direito de propriedade, quando abusivo ou inconveniente, é que é discutível; parece-me que isso também está em discussão, porque se trata de uma proposta já articulada.

O Orador:- Isso não está em causa neste momento.

O Sr. Morais Alçada: - Mas a proposta perfilha um método e o parecer da Câmara Corporativa perfilha outro.

O Orador:- Peço a V. Ex.ª licença para lembrar que estou apenas a apreciar o espirito que inspirou a proposta, e não a apreciar os seus métodos, que virão a ser matéria para a discussão na especialidade.

O Sr. Morais Alçada: - Então estou de acordo com. V. Ex.ª

O Orador:- Mas, continuando:

Qual o objectivo dominante da proposta em discussão?

Decididamente conseguir que, pela devida utilização dos benefícios oferecidos pelo Estado, se realize aquela valorização da riqueza que imperiosamente se impõe como urgente necessidade social.

Realizada esta valorização, ficará porventura resolvido o problema na plenitude dos seus aspectos ?

Decerto que o objectivo da proposta é fundamentalmente de natureza económica.

Não há, porém, problema económico a que não ande intimamente ligado um problema de ordem social. Podemos mesmo dizer que há ama questão social precisamente porque existe um problema económico.

Não é, Sr. Presidente, que o problema económico seja, como já tive oportunidade de frisar aqui, o problema máximo da vida do homem; mas está certamente no condicionamento da mesma vida.

E, resolvido ele, resolvidos serão outros graves problemas com ele relacionados.

Temos, pois, de reconhecer que a proposta em discussão é rigorosamente de natureza económico-social, não excluindo o aspecto político, que não pode deixar de ter todo o problema de interesse nacional.

Sendo assim, ocorre naturalmente perguntar: com esta proposta atinge-se o desejado objectivo social, alcançando-se para o trabalhador rural aquela melhoria de situação que anda no pensamento e no anseio de todos nós?

Assentemos em que todo o homem tem incontestável direito ao mínimo vital.

Numa economia bem ordenada, deve haver para todos uma suficiente possibilidade de trabalho, e este trabalho deve ser suficientemente remunerado.

Exige-o, reclama-o o próprio bem comum.

É este o primeiro direito que temos de reconhecer a quem trabalha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na sua encíclica Casti, Connubü, ao falar do direito do trabalhador a um conveniente salário, Pio XI afirmou:

O regime económico e social deve ser constituído de maneira que todo o pai de família possa ganhar o que for necessário à sua sustentação e da sua mulher e filhos, conforme as exigências da sua condição e do meio em que vive.

E na encíclica Quadragésimo Anno o mesmo Snmo Pontífice diz:

A falta de trabalho é um mal que aflige um grande número de trabalhadores, lançando-os na miséria e expondo-os a mil tentações, ao mesmo tempo que arrisca a prosperidade das nações e compromete por toda a parte a ordem pública, a paz e a tranquilidade.