Tenho, porém, a esperança de que, depois das explicações do Sr. Mário de Albuquerque, a Assembleia ficará absolutamente elucidada sobre, o incidente da Manizola.

O Sr. Mário de Albuquerque: - Sr. Presidente: eu, como todos os estudantes de Direito do meu tempo, frequentei uma cadeira de Estatística. Não me notabilizei nesta matéria, apesar de ter tido um professor eminente - o Doutor Oliveira Salazar -, mas tenho a certeza absoluta de que o meu ilustre amigo Sr. Dr. Bartolomeu Gromicho, se fosse fazer exame de Estatística, ficava absolutamente reprovado.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Albuquerque, pediu a palavra para explicações e por enquanto não o está a fazer.

O Orador:- Perdão. Para explicar convenientemente o problema preciso de mostrar o processo defeituoso nas interpretações de estatísticas adoptado pelo Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho.

Pela maneira como faz comparações, lembra-me a história que um amigo meu costumava contar: durante uma epidemia, tendo morrido o Cardeal-Patriarca de Lisboa, um intérprete de estatísticas concluiu que a profissão em que houve mais mortes durante o período epidémico foi a dos cardeais-patriarcas, pois atingira 100 por cento.

Sob o aspecto estatístico do problema em questão, o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho disse, em primeiro lugar, que os meus números estavam certos, mas que pequei por só ter falado, como Índice de investigação erudita na Biblioteca de Évora, nos leitores de incunábulos e reservados e me ter esquecido dos leitores de manuscritos. Acusa-me em segundo lugar o mesmo Sr. Deputado de não ter feito comparações entre a Biblioteca de Évora e outras bibliotecas.

Pelo que diz respeito ao primeiro ponto, não me esqueci; omiti o número conscientemente. A consulta de manuscritos na Biblioteca Nacional é um índice dessa natureza; na de Évora não o é, pois juntamente com esta Biblioteca funciona o Arquivo Distrital, onde se recolhem os livros notariais, etc., com mais de cinquenta anos. Desta forma, muitas das pessoas que vão consultar esses livros não vão fazer qualquer investigação cientifica, mas colher elementos de que necessitam sobre testamentos, propriedades ...

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Mas não são considerados leitores.

O Orador:- Desde que peçam um livro entram estatisticamente no número de leitores. Em parte alguma do Mundo se podem considerar tais leitores estudiosos ou investigadores.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Repito que não são considerados leitores.

O Orador:- Desde que requisitam livros ... só para V. Ex.ª é que não são considerados leitores.

Não havendo maneira de distinguir, na secura dos números estatísticos, os leitores que vão consultar documentos históricos dos outros, preferi apenas servir-me dos leitores de incunábulos e de reservados.

Aliás, o próprio número de 200 leitores, mesmo que não houvesse a sobrecarga de leitores sem preocupações de investigação, não tem qualquer valor sintomático.

Basta que um qualquer moço que deseje defender tese (mesmo neste momento conheço, um que acabou de se servir da Biblioteca de Évora para este fim) recorra, numas férias grandes, a leitura diurna e nocturna da Biblioteca para dar esse número.

Pelo que diz respeito à segunda acusação que o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho me fez, também não tem razão. O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho, ao por em paralelo os leitores da Biblioteca de Évora com os dê outras bibliotecas da província, é que se esqueceu de que não foz sentido comparar os leitores de uma biblioteca que tem um número de volumes da ordem dos 180 000 com os leitores de bibliotecas de 8 000,10 000, 12 000, 13 000 ou 14 000 volumes.

Mas o Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho, na sua ânsia de elevar Évora - que ninguém pretendeu deprimir -, chegou ao exagero de querer comparar o número de leitores da Biblioteca de Évora com o número de leitores da Biblioteca Nacional.

Isto obriga-me a chamar a atenção para dados que se encontram publicados nos Ancas doa Bibliotecas e Argui-vos, nos n.ºs 20 e 21.

Em 1947 o número de leitores da Biblioteca de Évora foi da ordem dos 14 000 ou 15 000 e em 1948 deu-se uma subida, aparentemente misteriosa, para a ordem dos 30 000. Como explicar esta febre repentina de leitura? No citado último número dos Anais doa Bibliotecas e Arquivos encontra-se a explicação do coso, que se resume na criação de uma secção infantil na Biblioteca de Évora. Puderam assim acorrer ali os leitores do Papagaio, do Gafanhoto, do Cô có ró cá, do Mau, do Pirilau, do Pardal, do Diabrete, do Mosquito, do Faísca, do Sr. Doutor, do Cavaleiro Andante e dos respectivos suplementos, A Formiga, A Joaninha e O Pajem, numa palavra, a simpática e adorável falange dos consultores das colecções Manecas e Pim-Pam-Pum ...

Considerando que a organização e os objectivos de uma biblioteca nacional e os das bibliotecas populares não são só muito diversos, mas até, em certa medida, antagónicos;

Considerando que a continuação da coexistência dos dois serviços no mesmo edifício, subordinados à mesma direcção, só prejudicaria cada um deles, nomeadamente impedindo que a biblioteca assumisse o alto papel que lhe incumbe como poderoso instrumento subsidiário da investigação original, principalmente daqueles distritos do saber que carecem de uma quantiosa informação bibliográfica, como as ciências históricas, sociais e políticas;

Considerando que, além desta função, a biblioteca deve ser o repositório, tanto quanto possível completo, da produtividade intelectual portuguesa, em todos os seus ramos, e que esta função conservadora é muito oposta a função divulgadora das bibliotecas populares;