Pode o Sr. Prof. Cid dos Santos informar-me se no grande Hospital Escolar foi suprimida alguma consulta, algum serviço, alguma clínica preexistente no Hospital Escolar de Santa Marta?

Se não houve supressões, então a instalação no grande Hospital Escolar do centro de estudos de cardiologia não é mais do que a ampliação da consulta externa, agora com internato, exactamente como sucede nos muito mais acanhados Hospitais de Coimbra.

Vozes: - Muito bem!

auscultação cardíaca ser um dos obstáculos mais difíceis de transpor para quem inicia a prática dos estudos clínicos.

Além disso, a familiaridade com aparelhos, gráficos e traçados é um bom treino para o futuro estudante de Patologia e Clínica.

Podem objectar-me que, se hoje o director do centro de estudos de cardiologia é professor de Propedêutica Médica, amanhã pode deixar esta cadeira, e portento os meus pontos de vista perdem valor. No plano das minhas considerações doutrinárias esta, argumentação não colhe, porque importa sempre consignar a energia e o entusiasmo da investigação quando se solidarizam com a clínica. Neste caso particular está dentro da lógica que o professor de Propedêutica Médica estude com mais profundidade um dado capítulo da sua matéria, precisamente o mais árduo para quem começa os estudos clínicos.

O caso das Faculdades de Direito é inteiramente diferente.

È razoável o que se passa na de Coimbra, onde os futuros mestres passam po r um verdadeiro «noviciado», trabalhando dez a doze horas por dia, procurando o instituto jurídico, vivendo ali os seus dias, isolados do mundo, como os antigos letrados medievais.

A vida simples de Coimbra, sem grandes empresas, sem grandes bancos, sem grandes companhias, sem solicitações mundanas absorventes, proporciona a estes estudiosos um ambiente mais propício que Lisboa.

Com possibilidades à vista de ganharem três ou quatros vezes mais, preferem o magro vencimento que a faculdade lhes outorga em troca d» honra de os inscrever como candidatos ao magistério superior.

Também a medicina já assim foi, também a medicina teve esse espírito letrado numa época em que a cirurgia era considerada uma profissão inferior, porque manual.

Em virtude do impulso dado ao avanço das ciências medicas com a descoberta dos micróbios por Pasteur, começou a restringir-se o carácter clínico do ensino da Medicina.

Ainda que sem competência para abordar a técnica desse ensino, com as características particulares de cada uma das matérias cuja perfeita combinação conduz à boa formação do futuro médico, eu posso e devo, como Deputado e como médico, exprimir opinião sobre as duas tendências gerais desse ensino, tanto mais que é matéria discutida pelos próprios que não são médicos.

Uma dessas tendências é científica e laboratorial, a outra é clínica e prática.

A primeira adquiriu, desde o químico Pasteur, um predomínio crescente, a segunda vê cada vez mais reduzido o seu domínio.

São duas os causas principais dessa evolução, direi melhor, dessa evolução.

Em primeiro lugar, por ser mais cómodo enviar o doente de laboratório em laboratório, depois duma observação superficial, do que fazer um estudo psicossomático completo.

Em segundo lugar, por ser mais fácil encontrar quem saiba do que quem compreenda e conclua ante um caso concreto.

Escrevia Hachard, ardente defensor da escola clínica contra a escola sábia:

«Tout le monde peut être savant, c'est-à-dire, savoir. Mais tout le monde n'est pas clinicien, parce que la clinique est l'Art de la Médecine, et que tout le monde n'est pas artiste».

A escola sábia alimenta o seu prestígio no trabalho das équipes, escalonadas sucessivamente e postas diante do doente como uma longa caminhada muitas vezes efectuada ao acaso e que o pode levar a um beco sem saída.

Esta atitude de humilhante reverência ante os laboratórios faz perder aos médicos a sua personalidade e torna-os meros instrumentos passivos na arte de diagnosticar e de curar.

Se as Faculdades de Medicina propenderem para a investigação em prejuízo da clínica, cometem uma traição que a sociedade lhes não perdoará.

O conceito da era pasteuriana foi ultrapassado.

Com efeito, pesquisadores e clínicos, homens de ciência e homens práticos, só podem conviver em harmonia se uma ideia, uni anseio comum lhes despertar recíproca simpatia. Esse factor comum, em torno do qual se devem reunir fraternalmente cientistas e práticos, é a saúde pública.

Uma das facetas mais interessantes da obra do Prof. Francisco Gentil no Instituto Português de Oncologia foi precisamente a de ter dado aos laboratórios uma alma clínica, imergindo-os no ambiente hospitalar, para sentirem e compreenderem o carácter filantrópico da obra e a sua finalidade prática, no mesmo tempo social, clínica e científica.

Justo é dizer que no aviso prévio do Prof. Cid das Santos também se nota, ao criticar curtas deficiências do instalação num ou noutro sector, o mesmo espírito predominantemente prático.

Há, todavia, na exposição de S. Ex.ª certas particularidades, como a arrumação de livros e revistas, entre outras, que demonstram uma preocupação demasiado minuciosa que está fora do âmbito dos problemas que podemos aqui discutir, pois são exclusivamente técnicas, muito restritas, e não temos maneira de as esclarecer devidamente, mesmo auxiliados pelos esquemas que gentilmente pôs à nossa disposição.

De resto, o que os povos exigem, porque sabem que podem ser postos ao abrigo de muitas doenças, é que os governantes tomem as medidas profilácticas adequadas, que construam hospitais e adoptem os processos mais práticos, mais cómodos e mais baratos de evitar e combater as doenças.