dizer nacional, a inundação dessas terras fertilíssimas, quero acrescentar que só na parte baixa de Vilar da Veiga, que tem 135 fogos, com cerca de 1 000 habitantes e 350 prédios, se produzem mais de seiscentos carros de pão, centos de pipas de vinho, dezenas de pipas de azeite, além da batata, da fruta e dos pastos para númeroso gado; não contando com dezenas de moinhos e azenhas, lagares de azeite e serrações de madeiras.

Pois bem. Tudo isso que acabo de apontar, património de famílias que ali vivem na graça do Senhor há centos de anos, com a legitima ambição de continuarem pelos séculos fora a ganhar o pão de cada dia com o sua: dos seus rostos, tudo isso desaparecerá dentro de meses sepultado nas águas do Cávado e do Caldo, que, desde então, talvez como castigo, não mais correrão livremente para o mar, domadas pelo homem, que as transformará em energia.

Tal coisa vai passar-se dentro de meses e, em antevisão da tragédia, não posso deixar de recordar as impressionantes imagens publicadas há anos pelas revistas do desaparecimento da pequena aldeia francesa de Tignes sepultada, também, nas águas de um rio, represadas por uma das maiores barragens da Europa.

Lembro-me de ter lido que os habitantes de Tignes só pela força abandonaram de vez a sua infortunada aldeia.

Os habitantes de Vilar da Veiga deixarão os seus bens à água, e entre eles os que lhes são mais caros: a igreja, a escola, o cemitério.

Deixá-los-ão com os corações em pedaços, irão para onde lhes for possível refazer as suas vidas, mas livremente e com a consciência de que o seu sacrifício contribuirá para que os portugueses tenham mais trabalho e possam viver melhor.

Salus populi suprema lex! Ninguém como a nossa gente do campo o compreende melhor!

O que acabei de dizer, Sr. Presidente, serve apenas para que se saiba que as magnificas obras hidroeléctricas são pagas por alto preço, que não ó só o do dinheiro dos accionistas das empresas concessionárias.

E para nós, que não desprezamos os valores humanos, o valor do dinheiro não será certamente o mais importante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas que o sacrifício não represente a miséria para os sacrificados; que as expropriações se não transformem em confiscos legais.

Vozes: - Muito bem!

gundo as disposições da lei em vigor, da lei em geral, pois, como disse, não há qualquer diploma especial quanto às expropriações para a construção de aproveitamentos hidroeléctricos, o valor da indemnização é fixado por arbitragem, feita por três árbitros: um nomeado pela expropriante, outro pelo expropriado e o terceiro pelo presidente da Relação.

Até aqui as coisas não estão mal e o valor da indemnização fica determinado, no caso de não haver unanimidade, pela média aritmética dos laudos que mais se aproximarem, o que já me parece menos bom, porque o valor de um prédio ou, melhor, a indemnização, como aliás a lei o diz, tem de ser justa, e um valor médio nunca será um valor justo.

Mas a lei, para que existisse a garantia máxima possível da justa indemnização, não confiou apenas nos peritos, e deixou ao tribunal, ao juiz de direito e depois aos outros tribunais de recurso a fixação definitiva do valor da indemnização, que terá de ser justa, quanto possível justa.

Para tal, e no caso de qualquer das partes, expropriante ou expropriado, não concordar com o resultado da avaliação, o juiz procederá obrigatoriamente à inspecção judicial e presidirá a nova avaliação, decidindo segundo a sua convicção.

Tudo isto também está certo, admiravelmente certo, e nem o expropriante nem o expropriado poderão queixar-se da falta de meios processuais para defender as suas respectivas posições.

Mas, infelizmente, a lei dá por um lado e tira por outro.

Nas expropriações urgentes vejam VV. Ex.ªs, aquelas que pela sua natureza têm um formalismo reduzido, qualquer interessado pode usar do direito de requerer vistoria aã perpetuam rei mamariam, antes de o expropriante ser investido na posse dos bens.

Nas outras, nas não urgentes, como aquelas a que me estou a- referir, essa garantia é absolutamente ilusória. E porquê?

Muito simplesmente porque, dando a lei ao expropriante b direito de entrar na posse e propriedade do prédio logo a seguir à avaliação dos peritos, e para isso bastar-lhe-á depositar a quantia fixada por eles, tem & sua disposição a possibilidade de inutilizar os elementos existentes nos prédios, como construções, plantações, caminhos, servidões, árvores, etc., que serviriam para a inspecção judicial e para a nova avaliação.

E poderá até, se tiver disso necessidade e diz-se que houve já quem o fizesse -, inundar õ prédio. Como o Código de Processo- Civil não prevê o uso de escafandros pelo juiz e pelos peritos, a inspecção e a nova avaliação não corresponderão à verdade ou não poderão mesmo realizar-se...

Nessas condições, como poderá o juiz julgar segando a sua convicção?

De que elementos dispõe pura corrigir a avaliação dos primeiros peritos? Agua, água e só água...

Julgo que, em última analise, nem a justiça sairá prestigiada.

Impõe-se, portanto, para as expropriações não urgentes, como acontece com as urgentes, a admissão, pelo men os, da vistoria ad perpetuam rei memoram, antes da entrega do prédio ao expropriante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o problema da justa indemnização nas expropriações tem sido largamente discutido e não serei eu a pretender tratar o assunto neste momento.

Direi somente que, segundo a lei, a justa indemnização terá por base o valor real dos bens expropriados.