bora expressamente só o referisse através duma citação daquele grande escritor e grande homem) para preconizar, a enfiteuse como fulcro doutrinário da disciplina jurídica dos grandes ou pequenos empreendimentos de colonização, seja espontânea, seja dirigida ou simplesmente «amparada» pelo Estado.

Referia-me então, e refiro-mo hoje, à colonização que, ligada ou não às grandes obras de fomento hidroagrícola, impõem cada vez mais as graves deficiências demográficas, o defeituoso regime cultural dominante, a crescente concentração não só da propriedade como das explorações e o correspondente progresso da proletarização entre as massas dos cultivadores, sobretudo nas nossas vastas províncias entre o Tejo e o Algarve.

O meu objectivo já então ia para além da hidráulica agrícola de iniciativa do Estado e também agora vai para além dela, não obstante estarmos a discutir o artigo 1.º desta proposta, que todo ela se move dentro do âmbito das bases XIII, XIV e XVda Lei n.º l 949, porquê, como há dias aqui reconheceu, com toda a nobreza e a especial competência que ilumina as suas opiniões, o nosso ilustre colega Sr. Dr. Rui de Andrade, se no Alentejo já não há incultos, se a ocupação pela cultura extensiva pode ter-se por completada (e já vimos na discussão recente dos problemas da defesa dos solos que foi levada longe demais ...), «ainda há lá muito a fazer».

Não é ainda, talvez, a altura de perguntar ao tão distinto lavrador se o que lá há a fazer não é precisamente o principal do que é preciso, e isto não só à luz dos objectivos demográficos e sociais, mas até dos meramente económicos e técnicos.

O Sr. Rui de Andrade: - Devo dizer a V. Ex.ª que uma das razões que não têm permitido o progresso da agricultura no Alentejo é a falta de capiteis com que a lavoura luta. As casas que têm progredido receberam capitais de origem estranha à agricultura: origem bancária ou industrial.

A lavoura alentejana nos últimos anos não tem enriquecido e V. Ex.ª pode verificar que os compradores de propriedades que têm aparecido no Alentejo são de outras províncias ou estranhos à lavoura alentejana. A lavoura alentejana não tem enriquecido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agradeço até a interrupção de V. Ex.ª, e é precisamente amparado nela, o mesmo é dizer, baseado na experiência da lavoura, que também considero o crédito em boas condições essencial para a valorização do Alentejo.

Queria, Sr. Presidente, que ficasse desde já aqui a minha homenagem ao nosso tão respeitado e experiente colega e, na sua pessoa ilustre, aos nossos senhores de terras que ainda dêem testemunho prático, com a sua vida, das concepções patriarcalistas que outros com tanta insinceridade invocam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas também queria que ficasse desde já marcado quanto é injusta certa prevenção sistemática com que, às vezes, se pretende minimizar a acção política de alguns de nós que nos orientamos predominantemente pelas preocupações do que hoje se chama «o social», mas que não me importo de chamar, nestas coisas agrárias, pelo nome que tinha na boa linguagem dos nossos cronistas, coando o imperativo actual, pela serenidade num vitral gótico: o povoamento, a povoação do reino ...

«O social», sim, é o grande imperativo da hora que vivemos na Europa Ocidental, imposto pelas realidades; o social, sim, não pode deixar de ser também o norte do que há a fazer no Alentejo, mas nós não queremos deitar fogo ao Mundo indiscriminadamente, por retórica ou por geometrismo de ideólogos, com os pés apenas na técnica, ou no sonho, quando não é no ressentimento ...

Isso já nem se usa ...

O Sr. Carlos Moreira: - Estou surpreendido, mas tenho a impressão de que V. Ex.ª está a tratar do problema na generalidade.

O Orador: - Este artigo 1.º é um artigo com conteúdo doutrinário importante relativamente à Lei n.º l 949 e, portanto, suponho que nele cabem bem considerações que aparentemente parecem de generalidade.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª diz aparentemente, mas eu julgo na realidade.

O Sr. Botelho Moniz - Pode ser uma estrela vermelha de Moscovo

0 Orador: - Não eram essas as estrelas do belo texto que li ...

O Sr. Botelho Moniz: - Mas às vezes está na vista de pessoas que se dizem discípulos de Salazar e olham mais a estrela vermelha do que as estrelas do Céu.

O Orador: - Dizia eu que não queremos deitar fogo ao Mundo ... No caso da colonização, o que já esteja bem feito, onde tiver sido atingido o possível nível técnico, onde a exploração tenha segura justificação económica e, pela fixação, pela desproletarização do cultivador, se assegure o necessário resultado demográfico não é preciso tocar.

Essas realizações devem ser respeitadas. Também nelas não buliam os inquiridores ou os sesmeiros dos nossos antigos reis ... Também lá não têm de bulir os imperativos da Revolução Nacional. O que é preciso, Sr. Presidente, é não esquecer que não foi por acaso, ou por equívoco, que Salazar qualificou de «revolução»