Explicações do Sr. Ministro das Finanças

Ilmo. Sr. Presidente da Comissão de Finanças da Assembleia Nacional. - Foi em 26 de Janeiro de 1954 no Diário das Sessões n.º 19 um extenso e douto parecer da Câmara Corporativa (n.º 3/VI) sobre a proposta de lei n.º 5, que isentava de colecta as mais valias do rendimento líquido dos prédios rústicos onde tivessem sido efectuadas obras, plantações e outras benfeitorias agrícolas destinadas a tomar reprodutivo o capital fundiário.

Não se formulam no parecer críticas muito vivas à proposta deste Ministério nem se desenvolvem contra a sua economia argumentos nitidamente contrários, mas é certo que por citações, analogias e factos se podem autorizar hermenêuticas que se não contêm nos intuitos originários. E por isso se acuou indispensável dar explicações a este propósito.

A matéria é vasta, mas as principais afirmações do douto parecer podem condensar-se assim:

1.º São de prever desde já as dificuldades que a regulamentação do objectivo legal da proposta há-de trazer como consequência do rigor fiscal existente;

2.º A propriedade rústica encontra-se desvalorizada e até em retrocesso como base de riqueza tributável;

3.º Cotejando a legislação cadastral (Decreto-Lei n.º 36 505, de 11 de Setembro de 1947) e fazendo referencia ao Decreto n.º 14 162, sem se explicar completamente, aventa-se quanta aos concelhos cadastrados: Que as plantações, obras de defesa contra cheias, culturas em terraços, etc.. são puro encargo descurável na noção de rendimento líquido;

b) Que as dependências agrícolas são um abate na conta estabelecida.

4.º Socorrendo-se depois do Código da Contribuição Predial de 1913, considerado nos seus comandos jurídicos como vago e impreciso quanto à determinação do rendimento líquido tributável, parece admitir que a regularidade das avaliações pressupõe a isenção das plantações e que os obras de drenagem, beneficiação e socalcos não são encargos, havendo omissão no tocante a encanamentos, ohms de regadio, etc.;

5.º As matrizes são uma negação da verdade (simplesmente não se diz qual a verdade relativa no debate: a do contribuinte ou a do fisco!);

6.º O benefício de anulação por sinistro teórico é anulado pelo aumento de colecta prático, em que caem os incautos;

7.º Na proposta não interessa considerar só os intuitos, mas também o zelo excessivo do funcionalismo das finanças, tão característico.

Por fim, redobrando-se em acauteladas recomendações, dá-se aprovação às directrizes propostas e adopta--se o texto bastante aproximado da proposta do Governo.

Como, além destes tópicos, muitos outros são fornecidos e desenvolvidos dentro da orientação firmada, de desconfiança das finanças e seu funcionalismo, citam-se agora alguns textos mais vivos, mas sem grande preocupação de escolha, os quais acentuam a direcção tomada e os objectivos postos no parecer:

... na previsão de uma futura regulamentação, certas dificuldades que podem resultar dos rigores do fisco.

... que sejam ainda mais largos os horizontes com que se encare o problema do fomento agrário.

... Do ponto de vista pericial as nossas matrizes são uma autêntica negação da verdade.

... O proprietário, porém, conclui que é preferível não requerer quaisquer benefícios ao fisco, dado que afinal em muitos casos não os recebe e por vezes tem até de suportar novos encargos.

... As facilidades e possibilidades que se oferecem ao proprietário pela sua defesa são muitas vezes anuladas na prática pelo rigor do fisco ...

... O estímulo pelo benefício fiscal que o Estado oferece ao proprietário rústico para atingir o objectivo desejado deverá ser acompanhado duma compreensiva actuação por parte do fisco, de forma a que sejam postas de parte certas práticas de que já se deu conta e se evite por parte do contribuinte o receio do aumento dos rendimentos colectáveis.

... excesso de zelo, tão peculiar nos funcionários que nesses serviços superintendem.

... Esclarecem-se agora as circunstâncias que levam a poder afirmar-se que, em muitos casos, esses melhoramentos não suo mais que simples obras de conservação de um rendimento anteriormente estabelecido e, noutros, simples operação de rotação de culturas.

As obras contra a erosão em terrenos cultivados têm o único sentido da sua conservação.

... A Camará Corporativa dá a sua aprovação às directrizes apresentadas pelo Governo nesta proposta de lei.

... a) A finalidade do fomento económico se sobrepõe a todo o espírito fiscal; ...

Estas e outras passagens foram troçadas com evidente preocupa-lo de realismo financeiro, mas estão em desacordo com a lição de crítica fiscal que autorizam.

Parecem registar singular capítulo da chamada revolta dos factos sociais contra as leis, mas deslocam o eixo do problema legislativo para um plano distante dos intuitos iniciais e permitem interpretações que julgamos diferentes da proposta.

Por isso se entende como dever e se tem como útil prestar explicações à muito digna Comissão de Finanças a Assembleia Nacional, para que possa tomar em conta os nossos verdadeiros propósitos e, mais do que isso, conheça por nós as razões que nos moveram.

Rendimentos prediais e colectas

1.º A solidariedade e a justiça social impõem que uma parte dos rendimentos derivados das terras seja deduzida para custear os encargos dos serviços públicos indivisíveis, por ser essa uma, das principais medidas tradicionais e compreensíveis de definir as possibilidades fiscais do contribuinte. Seria, portanto, iníquo que a riqueza mais lata e difundida, mais sólida e apetecida, não contribuísse para as despesas do Estado.