A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto do decreto-lei n.º 52l, elaborado pelo Governo sobre colonização de zonas beneficiadas pelas obras de fomento hidroagrícola, emite, pelas suas secções de Finanças e economia geral e de Justiça, às quais foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pipto Veloso, Eduardo de Arantes e Oliveira, Luís Quartin Graça, Manuel Alberto Andrade e Sousa e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

O problema O projecto submetido à apreciação desta Câmara é, pela forma e pelo conteúdo, um diploma legislativo completo, em que ao lado dos preceitos normativos se colocaram minuciosas disposições de feição regulamentar, destinadas a condicionar a sua imediata aplicação.

No relatório que o antecede dá-se-lhe como imediata filiação a base VI da Lei n.º 2058. que aprovou o último Plano de Fomento, determinando a revisão do regime jurídico e condições de financiamento dos terrenos de obras das áreas submetidas aos grandes planos de hidráulica, agrícola em ligação com os da Junta de Colonização Interna.

De facto, ele mergulha as suas mais fundas raízes na Lei n.º l949, que primeiramente estabeleceu o regime jurídico das beneficiações pelos grandes sistemas nacionais de irrigação; e, se estabelece novas modalidades quanto a alguns preceitos dessa lei e dos decretos que complementarmente foram publicados, certo é que pode ainda considerar-se um mais completo desdobramento dos princípios definidos nas bases XIV e XV da Lei n.º l949.

Com efeito, na base XIV -cuja doutrina veio a ser transcrita no artigo 61.º do Decreto n.º 28652, de 16 de Maio de 1938 - dispôs-se:

Quando, por motivos superiores de ordem económica e social, o Governo reconhecer a necessidade de modificar o regime de exploração das terras destinadas a irrigação, poderá reduzi-las ao domínio privado do Estado, para o seu parcelamento ou emparcelamento, mediante justa indemnização ...

Na base XV estabeleceu-se que:

Os terrenos dominados pelas obras de fomento hidroagrícola, pertencentes ou reduzidos ao domínio privado do Estado nos termos da base anterior, serão entregues à Junta do Colonização Interna para a constituição dos casais agrícolas ... Assim foi preceituada, há já dezasseis anos, uma das mais largas e audaciosas medidas do Governo da insigne presidência de Salazar, sendo Ministro da Economia o actual Digno Procurador Dr. Rafael Duque e relator do longo parecer, que sobre ele deu esta Câmara, o mesmo que redige o presente parecer.

Tal circunstância, servindo para pôr em relevo uma linha de pensamento governativo que ainda não quebrou, não constitui impedimento, antes é estímulo, a que o assunto volte a ser discutido, ou seja revisto, como propôs o Governo e foi votado pela Assembleia Nacional, em face das lições colhidas no já longo decurso de tempo em que não houve oportunidade ou responsabilidade de dar aplicação prática à ligação das grandes obras da hidráulica agrícola com as da Junta do Colonização Interna.

Convém procurar as causas deste estado de coisas, que o relatório do presente projecto de lei parece atribuir tão-somente à inadequação da lei em vigor e se nos afigura poderem atribuir-se também a outros motivos mais profundos. Tentaremos descortiná-los nas considerações que seguem.

Considerações preambulares A observação de que se tem passado no nosso território europeu, através dos tempos, mostra que desde as recuadas oras pré-históricas o proto-históricas até hoje sempre foi mais denso o povoamento na zona cistagana que na transtagana. Basta olhar para a carta dos monumentos megalíticos, citânias e crastos atribuídos às tribos que habitavam este lado da Península anteriormente à conquista romana.

Tirada a costa algarvia, quo tem condições específicas, também as povoas litorais, presumivelmente de influência fenícia ou cartiginesa, eram mais numerosas ao norte que ao sul do Tejo; e os vestígios que se vão registando da época imperial romana apenas indicam que nesse tempo a região eborense foi cultivada em latifúndios, em cujo centro se constituíram as cómodas cilas dos proprietários, equivalentes aos montes contemporâneos, em que é de crer a existência permanente de grande número de escravos e servos da gleba adstritos ao cultivo das terras e outras ocupações servis, o q ue junto à manutenção dos acampamentos militares, com sua impedimenta administrativa e familiar, pode ler justificado o cômputo, em todo o caso fantasioso, de uma densidade demográfica superior à actual.

Esta situação de um noroeste húmido, fartamente povoado nos seus frescos valos, a contrastar com um sudoeste seco, de população pouco densa e irregularmente distribuída, vem atravessando os séculos, com variações de povos, misturas de raças e sub-raças, mudanças de domínio e sobreposição de civilizações.

Nem a introdução do regime jurídico romano da propriedade privada, com a sabedoria agrícola de que as Geórgicas de Virgílio e os De Rerum de Varrão dei-