Creio que foi desde então que se acabaram os duelos em Portugal.

E agora perguntar-se-á: qual foi o desfecho desta pendência, quais foram os seus efeitos imediatos? Nenhuns, que se saiba.

Suponho que estão previstas as sanções aplicáveis a todo o oficial que se recusa a bater-se em duelo. Mas quem teria em Portugal autoridade e prestigio para chamar à responsabilidade esse heróico soldado que em França e em África se cobriu de glória?

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Quem ousaria bulir na sua folha de serviços por recusar a bater-se?! Ele, que se bateu como ninguém na defesa da ordem, regando com o seu próprio sangue as ruas desta cidade que tanto lhe deve!

Ele, que toda a vida se bateu, como lídimo possuidor dessas virtudes militares que Salazar tão a propósito,, com tanta elevação e tanta justiça lhe reconhece.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Ninguém, de facto, pode esquecer a sua acção persistente e voluntariosa na repressão do crime, apesar de se defrontar com uma alcateia de sicários que certos políticos tacitamente protegiam ou pelo menos toleravam, ao serviço das suas intrigas e das suas ambições.

Ninguém ignora que havia então certos plutocratas que subvencionavam largamente essas quadrilhas de malfeitores, em troca duma garantia, aluís inconsistente, de segurança efémera.

Não há dúvida de que a Legião Vermelha, derrubando obstáculos, resistências e até ministérios, contava, para sua impunidade, com poderes mais altos do que a Polícia de Lisboa.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-E o pior ainda é que tudo isto se passava neste burgo europeu à beira-mar plantado, para contemplação e escárnio do Mundo; nesta cidade heróica e galharda, que uma política servil abandalhava, sob o olhar apático e descrente de uma sociedade inerte, desmoralizada e abúlica.

Entretanto, neste lodaçal de tédio e de indiferença, o comandante da Policia de Lisboa reagia sempre, através de tudo e de todos, com uma coragem moral inexcedível. E a tal ponto que, não ignorando que o queriam assassinar, dispondo mesmo de informações seguras sobre o sinistro plano dos facínoras, Ferreira do Amaral continuava, como de costume, a percorrer impávido a pé, o caminho entre o Governo Civil e a sua casa, sem precauções de qualquer espécie, sem vigilância, sem guarda-costas, sem levar consigo uma arma sequer, como se defendesse a todo o transe, encarniçadamente, a regalia indeclinável do direito à morte.

Vozes: - Muito bem I

O Orador:-Foi assim que ele caiu crivado de balas, em plena rua, na sua desbotada farda de campanha, que o sangue tingiu, com o seu velho boné amachucado e a sua típica bengala, inseparável companheira da grande guerra, que desta vez lhe salvou a vida; porque foi ela, com efeito, que, fustigando as mãos dos assassinos, contribuiu certamente para aumentar a percentagem favorável dos tiros baixos.

Ferreira do Amaral, soldado de África, herói da Flandres, incorruptível defensor da ordem, credor incontestado ao reconhecimento da Nação, benemérito da

Pátria, expulso do Exército por se recusar a bater em duelo! Seria realmente dum ridículo atroz, inconcebível!

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-E, todavia, por essa mesma razão foi forçado a demitir-se o capitão Homem Cristo, alma intrépida de combatente, cuja valentia não merece dúvidas. Haja em vista o seu brado de indignação e de protesto contra o regicídio, no próprio momento em que o crime se consumara, reclamando ao mesmo tempo um rigoroso inquérito que arrancasse da sombra os verdadeiros responsáveis pelo sangue injustamente derramado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não deixa de vir a propósito perguntar em que ficou afinal esse inquérito ...

Os riscos desta corajosa atitude haviam de ameaçar pela vida fora o autor de tão irreverente reclamação.

Homem Cristo era, de facto, o desassombro personificado ; e, já que foi oportuno recordá-lo, é justo que se faça ao seu nome e ao seu carácter, com a devida vénia, uma referencia honrosa.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Outro oficial que, pelo mesmo motivo, foi compelido à demissão: o tenente-coronel de engenharia Fernando de Sousa, cuja morte ocorreu precisamente na data que amanhã se comemora -12 de Março. Compelido à demissão e, todavia, para abonar a sua coragem moral e o seu destemer a toda a prova, ninguém melhor do que Ferreira do Amaral o poderia fazer.

Enquanto o comandante da Policia se empenhava a fundo contra a desordem e a ignominia, Fernando de Sousa, correndo os mesmos riscos, apoiava a sua acção com uma vigorosa campanha jornalística.

Um dia Amaral preveniu-o de que estava sendo imprudente e, mostrando-lhe a diferença entre a sua missão de soldado e a dele, de jornalista, aconselhou-o a abandonar a luta, deixando-o só em campo.

Respondeu-lhe Fernando de Sousa, afirmando a semelhança entre as duas missões e garantindo que nem ele nem os seus companheiros de trabalho - entre os quais figurava o actual director de A Voz- eram homens para desertar.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Nesta evocação saudosa e, prouvera a Deus, fecunda, de lutadores de tal quilate e tal envergadura, irmanados na vida e na morte, embora militando em campos ideológicos aparentemente opostos, encerra-se uma lição edificante sobre a solidariedade e o entendimento necessários em todas as soluções de emergência impostas pelo interesse nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Isto nos ensina, com efeito, que, sejam quais forem as divergências doutrinais com que procurem separar-nos e os conflitos dialécticos com que pretendam dividir-nos, não temos o direito de nos dispersar, comprometendo a eficiência do esforço comum na defesa dos princípios basilares da Revolução que empreendemos..

Vozes: - Muito bem, muito bem !