Assim, os governos no seu tempo deixaram de cair perante votações parlamentares; os Deputados deixaram de estar enfeudados a organizações partidárias, cuja existência se passou a desconhecer oficialmente; os Procuradores das associações de toda a ordem passaram a constituir uma Câmara, ao lado da dos Deputados e com ela ombreando, e finalmente, por cima de todos os órgãos constitucionais referidos -Ministério, Câmaras dos Deputados e dos Procuradores-, passou a pairar um poder presidencial activo, orientador directo de toda a acção governativa, visando à execução de um plano de administração por ele concebido.

A Constituição Política, publicada passados poucos meses após a revolução e na qual colaboraram figuras gradas do integralismo, representou uma subversão tão completa dos conceitos políticos então dominantes que um tratadista francês de direito constitucional, ao comentar anos depois o panorama político da Europa, escrevia textualmente:

Se é certo que os regimes autoritários que hoje mais ferem a nossa atenção são o fascismo e o nazismo, devido à amplitude do ambiente em que são aplicados, é de justiça reconhecer que um pequeno país existe que se antecipou a qualquer outro na aplicação das doutrinas agora em voga. Quero referir-me a Portugal, que sob o Governo do Presidente Pais inaugurou, seis anos antes da posse do Poder pelo fascismo, um regime que politicamente se traduzia num extraordinário robustecimento do Poder Executivo à custa do Legislativo, mercê quer das restrições de competência que a este foram impostas, quer mesmo da sua composição, devido à criação duma Camará Corporativa.

Há que reconhecer, pois, audácia intelectual e espírito de previsão a esta iniciativa, numa época em que toda a Europa sacrificava ao liberalismo, que anos depois foi caindo na Itália, na Alemanha, na Espanha e em Portugal.

Vozes: - Muito bem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Passando agora do campo da política constitucional para o da política religiosa, que tanta importância assume em países com as características do nosso, verificamos que também Sidónio, naqueles tempos de jacobinismo feroz, encarou com igual audácia e inteligência o problema em toda a sua plenitude de fenómeno histórico e proeminente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sidónio, em presença de tão profunda realidade, envereda - ele, o agnóstico, o que dá maior valor à sua atitude- pelo caminho da reconciliação.

Abre negociações com a Santa Sé, que estabelece a sua representação diplomática na capital da Nação; modifica profundamente a Lei da Separação, cuja intangibilidade os cânones sectários apontavam como fazendo parte da própria essência do regime; reconhece a hierarquia eclesiástica, cujos altos dignitários passam a gozar da consideração devida a Príncipes de uma Igreja soberana no campo espiritual, o, a coroar toda esta orientação, reivindica e obtém o secular privilégio concedido aos nossos monarcas, que durante séculos usaram o título de reis fidelíssimos: o da imposição do barrete cardinalício.

Eram tão extraordinárias a audácia intelectual do universitário e o poder de realização do soldado, conjugados ambos em Sidónio numa simbiose perfeita, que num breve espaço de quatro meses, após a revolução, se tinham concretizado no Diário do Governo e efectivado na prática as grandes linhas duma nova e audaciosa política, que se poderia resumir no seguinte: libertação das inteligências e das almas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O sidonismo caiu, sim, mas o representante de Roma continuou sempre em Portugal: a Igreja nunca mais sofreu as perseguições anteriores, e a nova política religiosa perdurou até hoje. Grande e decisiva foi, pois, também a viragem que em tal capítulo da história do regime ele promoveu!

Vejamos agora a actuação de Sidónio no campo da economia, sector esse em que os frutos de uma obra, por mais inteligente que seja, só se colhem, em geral, anos decorridos depois de ela adoptada.

Um país como o nosso tem sido, e possivelmente não poderá deixar de o ser, caracterizado pela actividade agrícola Portugal, no século de Quinhentos, ensaiou em largas proporções uma política de actividade comercial que pretendia fazer de Lisboa uma segunda Veneza, isto é, um centro comercial mundial.

O fracasso financeiro de tal política foi estrondoso, e o deslumbramento dos tempos faustosos de D. Manuel e de D. João ET foi tão fugaz que, no dizer incisivo de Lúcio de Azevedo, o Estado Português, assediado por mil dificuldades financeiras, não hesitou, em 1060, em defraudar ostensivamente os seus credores.

É que o Português, se tem aptidões excepcionais para soldado, agricultor e colonizador, falha como mercador.

A terra é que lhe mereceu sempre o maior carinho, e por isso tudo quanto contribua para a valorizar tem o condão de o sensibilizar. Sidónio, com o excepcional dom de percepção que possuía, tem a consciência do valor transcendente do problema, e por isso fixa a sua poderosa inteligência de matemático realista sobre o