Decido não fugir ao argumento e respondo.

É perfeitamente exacto que no Estado Português da Índia não podem os cidadãos portugueses, sem incorrer em responsabilidade, manifestar publicamente preferência pela sua ligação à União Indiana e agir em conformidade com qualquer intento desse género. É assim em Goa; é assim em Portugal inteiro; é assim em todo o Mundo, porque a cidadania não é objecto de escolha, mas dever natural de que cada um não pode libertar-se à sua vontade, negando-se à pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É assim também na União Indiana, com a estranha agravante de, ao contrário do admitido nos povos civilizados, não poderem ali os Goeses manifestar sem risco o seu desejo de que continue portuguesa a sua terra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A atitude destes homens permite-me reduzir a nada a importância do argumento da União de que não há em Goa liberdade para que os Goeses se manifestem a seu favor. Mas há essa liberdade na União Indiana, e esta não tem sido suficiente para converter à sua causa a centena de milhares de Goeses que ali angariam a vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Penso ter analisado com inteira objectividade os fundamentos em que se baseiam as pretensões da União Indiana. Espero agora examinar com a mesma objectividade, nos seus desenvolvimentos efectivos, o método da «não violência» aplicado à consecução dos fins que a União se propõe. Gostaria de poder determinar a essência ou conteúdo daquele conceito estranho e confrontá-lo com os deveres jurídicos que a União incumbem como membro da sociedade internacional.

O pacifismo, a neutralidade e a «não violência» pretende a União Indiana que definam internacionalmente a sua orientação externa. A União tem a consciência de haver conquistado no Mundo com o seu pacifismo uma fama útil: ela é o seu bordão, o seu arrimo, a fonte das suas múltiplas intervenções nos negócios alheios e do prestígio dos seus mais altos dirigentes. É-lhe essencial não destruir esse mito, mas também é necessário que esse mito a não estorve nas suas ambições, para o que, fazendo apelo ao fund o da raça e aos ensinamentos de alguns doutrinadores, criou, também para uso externo, o mito da «não violência». Não podemos duvidar de que o método nos é aplicado com toda a sua pureza, visto que, segundo declaração do Primeiro-Ministro do Estado ou província de Bombaim, a política em relação a Goa representa um bom test - é o caso típico, o padrão, a demonstração cabal dos métodos especiais indianos na condução dos negócios internacionais (declaração ao correspondente de Christian Science Monitor de 23 de Julho de 1954).

Factos. Em 21 de Julho, bandos constituídos por cidadãos da, União Indiana, partidos desse Estado, muitos com armas de guerra e enquadrados por forças regulares da polícia e parece que das tropas de reserva da União, semifardados ou em traje civil, assaltaram o enclave de Dadrá, dominando depois de alguma luta, de que resultaram mortos e feridos, a pequena força policial de que ali se dispunha. Dias depois o mesmo processo foi empregado, com forças ma is numerosas, noutro enclave - o de Nagar Aveli -, em que a resistência local pôde ser prolongada por bastantes dias, sendo os agentes da nossa administração aprisionados na fronteira quando parlamentavam com as autoridades indianas.

Para estas operações a União Indiana preparou previamente as condições de êxito, não permitindo de bastante tempo antes o reforço das pequenas guarnições locais e cercando Damão, de onde poderia ser enviado esse reforço, com tão numerosos efectivos que temos de considerá-los desproporcionados à simples vigilância da fronteira. Esses elementos, sucessivamente reforçados, mantêm ainda o cerco, o que significa garantir a União com forças suas a situação criada nos territórios portugueses, pois que sistematicamente recusa a Portugal a passagem para que agentes regulares restabeleçam a ordem.

Não se sabe precisamente quem é ou quem representa nos enclaves a autoridade; sabe-se no entanto que para a União são encaminhados os dinheiros públicos percebidos e altos funcionários seus vigiam e se arrogam a chefia de serviços, que aliás não funcionam. De facto não há ordem, nem justiça, nem autoridade geralmente obedecida: há o caos na administração; há a insegurança pública, o regime de terror, a miséria na vida privada.

Este é o resumo dos factos, tal como os posso extractar dos relatórios oficiais e das informações colhidas. Não podemos duvidar da sua exactidão substancial, desde que se encontram em território português alguns dos que intervieram, resistindo, nos actos de que resultou o esbulho da soberania portuguesa. Evidentemente que farei as correcções que forem devidas, desde que uma observação directa possa ser feita por qualquer dos métodos oportunamente sugeridos pelo Governo Português.

Na verdade, em face da situação criada, o Governo solicitou da União:

Que fosse permitida e passagem de forças portuguesas para restabelecer a ordem nos territórios: recusado;

Que fosse autorizada a passagem de delegados desarmados das autoridades de Damão, para ao menos investigarem o que se estava passando e poderem informar das necessidades das populações: recusado;

Que fosse admitida a observação dos factos de violação ocorridos nos enclaves e territórios limítrofes por observadores internacionais. Aceites em princípio conversações para negociar a ida de observadores internacionais que verificassem toda