O Orador: - As minhas palavras são, portanto, Sr. Presidente, de inteiro aplauso à acção do Governo e de afirmação solene à Câmara de que a epopeia heróica de Carvalho Araújo se repetirá enquanto o coração bater no peito de um marinheiro português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em águas da Índia, como nas de África ou de qualquer outra parte do Mundo, onde seja chamada a servir, a marinha de guerra de Portugal defenderá sempre com o mesmo ardor, a mesma devoção e a mesma fé os bens sagrados da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: vão decorridos cerca de cinco meses sobre o recrudescer da guerra fria na Índia Portuguesa, guerra sem tréguas que a União Indiana nos move, seguindo com desusada dureza as regras da escola de Moscóvia.

Contra o fantasma branco que persegue e conduz o Governo e certos partidos políticos da Índia levantámos por nós a consciência do mundo civilizado, deste Ocidente que é terra fértil do direito e da moral, encruzilhada de Roma e Nazaré.

A simpatia ostensiva e os apoios efectivos de numerosas chancelarias vieram dar prática demonstração à força do nosso direito, à razão da nossa política e à elevação da nossa moral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na sua comunicação a esta Assembleia expôs-nos o Sr. Presidente do Conselho os fundamentos da política do Governo com relação à Índia e traçou o quadro do estado actual da situação. Creio que todos os que tiveram o privilégio de ouvir ou de ler os palavras do Chefe do Governo hão-de convir que bem pouco resta a dizer no prosseguimento deste debate, tão alto S. Ex.ª levantou o caso português, na força dos argumentos, na dignidade das atitudes, na elevação moral dos conceitos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se outros motivos não houvesse para dar ao Governo caloroso apoio na gestão da coisa pública, bastaria o extraordinário sucesso por ele alcançado na defesa do direito português na Índia para justificar a gratidão de todos nós, assegurando-lhe a solidariedade patriótica da Nação inteira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, interpretando fielmente o pensamento e a vontade nacional, elevou tão alto o prestigio de Portugal no Mundo que já não é somente contra nós que se dirige a agressão indiana, mas contra o Ocidente. E a União Indiana não pede permitir-se entrar em conflito aberto, mesmo só no campo do direito, mesmo só no campo diplomático, com o mundo ocidental sem pôr em grave perigo aquele precário equilíbrio do influências em que assenta a sua difícil independência, ou sem atraiçoar a sua mística nacional, inspirada do frágil ideal da «não violência», que a justifica e condiciona.

Nunca vimos, por isso, a União Indiana alinhar com os Estados que têm feito frente à agressão. Entrincheirando-se atrás da fórmula da «não violência», não socorreu a Coreia nem os Estados invadidos da Indochina, não se juntou às potências que formaram barreira contra a agressão no Sudeste e no Sudoeste Asiático, julgando, talvez, assim, preservar-se ela própria da invasão ou do

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como pode a Índia desprezar a amizade portuguesa, amizade consagrada em séculos de harmonia, amizade que tantas vezes correu em seu auxílio e nunca lhe foi pesada, como pode a Índia arriscar-se a perder com ela a simpatia dos amigos de Portugal, e são eles muitos e poderosos no Mundo, onde a comunidade portuguesa, só por si, ocupa territórios três vezes mais vastos e muito mais ricos do que os da União Indiana?! É risco que não pode correr sem enfraquecer irreparàvelmente a sua posição no Mundo num momento singularmente grave para ela.

A Índia, que não cessa de reclamar largos investimentos estrangeiros, cuja urgência se impõe, sob pena do declínio constante do nível de vida do seu povo, que o desequilíbrio persistente entre o aumento do produto nacional e o aumento da população determina, a Índia carece de elevar-se no conceito do Mundo pelo seu comportamento pacífico, ordeiro e legalista na vida interna e no convívio internacional, a Índia tem de dar contribuição activa para a paz, que é simultâneamente ausência de guerra e cooperação internacional no pensamento do Pândita Nehru; se quiser merecer a confiança dos que a podem auxiliar com a sua riqueza e capacidade técnica, sem fazerem correr com o auxílio que lhe levam graves riscos à sua independência.

Mas a União Indiana, que é já um Estado real, não é ainda uma nação. Precisa urgentemente de criar uma mística nacional, dando vida e forma a factores comuns de todas as raças e nacionalidades que a compõem, para assim ir formando no decorrer dos tempos a sua consciência nacional.

O mito do «usurpador» serve às mil maravilhas este propósito. Mas o mito precisa de ser alimentado para viver. Se o alimento lhe falta, o mito morre, e lá se vai um poderoso factor comum da coesão nacional. O mito terá, por isso, de sobreviver. O mito é como o ideal, que só é ideal enquanto se não atinge.

Em face desta União Indiana, nação ainda na sua génese, que encontramos nós? O velho Portugal, com uma consciência nacional de mais de oito séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As forças determinantes da nossa formação nacional aparecem através da História com uma fisionomia constante. Elas constituem os imperativos da Nação Portuguesa, condicionam a sua existência.