mano, traduz as razões da inteligência e os impulsos do coração, exprime com igual beleza o lirismo simples e bucólico da nossa gente e os feitos mais gloriosos a grei. Nas fórmulas vernáculas dos nossos clássicos, nas estrofes de Camões, na eloquência admirável de Vieira, a língua portuguesa ganhou a altura que lhe permitiu transpor, com o génio do povo que a criou, os umbrais da imortalidade!

Depois deles, poetas e prosadores de Portugal e rio Brasil, uns cultivando as ideias, outros as modalidades surpreendentes da forma, uns traduzindo a realidade e a crueza da vida, outros ouvindo apenas as vozes da inspiração e do sentimento, enriqueceram o património da língua portuguesa e acrescentaram o tesouro inesgotável dos seus encantos e dos seus segredos.

Ainda hoje esta Câmara se honrou de ouvir, enlevada, um dos mais luminosos espíritos da nossa época, que é, simultaneamente, um dos mais perfeitos e ilustres cultores da língua portuguesa de todos os tempos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não precisam Portugueses e Brasileiros nem de servir-se de intérpretes para se entenderem, nem de recorrer a idiomas estrangeiros para firmarem os seus acordos e tratados, pois têm a ventura de ser a mesma a língua que se fala em ambos os lados do Atlântico.

Tenhamos esperança de que o Tratado de Amizade e Consulta seja um instrumento fecundo no sentido de preservar e manter a unidade da língua portuguesa, contribuindo assim, verdadeiramente, como é seu objectivo fundamental, para a harmonia e para o prestígio da comunidade luso-brasileira no Mundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: ao subir à tribuna desejo, em primeiro lugar, renovar a V. Ex.a as minhas saudações muito cordiais, e nelas quero envolver a alta magistratura que V. Ex.a desempenha com elegante e sóbria autoridade, sem todavia esquecer o homem ricamente dotado de afectuosa compreensão, impecável na convivência e na distinção parlamentar. Um defeito creio que não tenho: usar de palavras vãs de adulador. Digo o que penso e o que me vem do coração à boca neste grato cumprimento que faço a V. Ex.a

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: se alguma vez me senti acanhado ao tomar a palavra nesta Câmara, esse dia é certamente o de hoje. O meu quase constrangimento não é resultado da matéria que a Câmara tem de examinar, porque ela, por invulgar em nossos anais, tem uma significação que sobrepassa imediatamente as nossas pessoas.

Sinto-me acanhado porque a formação do meu espírito, tão alheia às disciplinas jurídicas, pode ser que não me ajude a alcançar todo o âmago do notável instrumento diplomático que à Câmara foi presente. Desejo, porém, quanto em mim caiba, fazer um esforço para compreender o alto sentido que presidiu às negociações que remataram, fez há pouco um ano, com a assinatura do Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil.

Sr. Presidente: numa hora tão dramática como a que estamos vivendo, sem arrogância nem temor deu esta Câmara ao País a segurança de que compartilha todas as suas ansiedades e todas as suas preocupações; deu

esta Câmara ao País a certeza de que tanto ela como o Governo, ambos, não descuram nem olvidam os interesses superiores - ia a dizer sagrados - que a nossa alma e o nosso sangue obrigam irremissivelmente a preservar e defender, custe, lá e cá, o que custar.

Vozes: - Muito bem!

afirmar os valores absolutos que deram à mesma Europa consciência da sua missão universal. A sem os quais as nações não são grandes, as ideias não são generosas, o sangue não tem poder genesíaco, a justiça é uma palavra vã e a verdade, de verdade só usa o nome.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perdoai-me se ponho certa vivacidade onde queria que não houvesse senão alguma daquelas qualidades que o velho Cícero recomendava para as agruras da vida: prudentia, fortitudo. Mas não me sofre o ânimo calar aos ecos desta Cosa a minha emoção grandíssima e lançar ao longe, lá para os reinos da aurora, o meu pensamento e a minha palavra débil para quantos, nobres e fiéis, de coração limpo e puro, guardam a terra nossa e zelam a honra de todos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há coisas que no seu valor transcendente chegam a nós sem se revestirem de grandes palavras nem de expressões sonorosas, e por isso não chamam nem pedem os aplausos fáceis. Valem por si mesmas, na sua ampla estrutura moral ou jurídica, na disciplina dos justificados interesses que põem em guarda, na inteligência com que acodem aos imperativos de uma real tradição histórica.

O povo nem de todo as compreende, mal suspeita que é pela sua dignificação, pela sua honradez, pela sua demonstrada capacidade de sacrifício e voluntariosa doação do sangue, pelo respeito das suas virtudes que o pensamento se moldou explicitamente em norma jurídica excepcional.

O Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil afigura-se-me uma destas construções jurídicas de natureza excepcional, de profundo significado político e moral, que só é possível executar quando entre os povos há laços estreitos de fraternidade e tal comunhão de pensamento que nenhuma falsa razão pode embaciar ou perverter.

O povo, o nosso povo - rio de sangue generoso que há muitos séculos e sem intermitências se deitou a