lógicas e declamatórias, tanto tio favor de políticos e tribunos.

Sendo liberal confesso e de maiúscula, tinha, porém, um conceito de liberdade e igualdade que não era o dos enoiclopedistas. O seu espira to analítico, a paixão da ordem e o culto da tradição, ou o que Garrett supunha sê-lo, conduziram-no a concepções que o situam fora do quadro ideológico dos liberais do seu tempo. Aos conceitos abstractos de abstractos filosofantes opunha Garrett o moderado conceito que pode ler-se em O Dia 24 de Agosto.

Ali escreveu:

Eis aqui verdades -no século XIX- de simples intuição. Mas deverão elas -neste mesmo século- aplicar-se assim neste estado de abstracção, e com todo o rigor da ideia, ás instituições, aos estabelecimentos sociais? Uma experiência triste e funesta nos adverte que não. O delírio, a efervescência que elas produzem, são sempre a origem horrorosa da mau horrorosa anarquia.

Que são, pois, em concreto -pergunta Garrett- a liberdade e a igualdade?

A liberdade do homem social e cidadão é o direito que ele tem de exercer todos os direitos que lhe deu a natureza, uma vez que não ofenda a tranquilidade pública e as suas justas leis nem perturbe a ordem social rectamente estabelecida.

Eis o seu conceito de liberdade: na legalidade e na ordem.

Se por esta concepção de liberdade se afasta do liberalismo político dos teóricos do seu tempo, não é menos surpreendente nem diverso o seu conceito de igualdade.

Desta escreveu:

E a igualdade consiste em ser indistintamente amparado, protegido e castigado pela lei e pelos seus executores.

Afinal, o bom senso do jurista veio a reduzir a igualdade à igualdade perante a lei, refugando o critério socialmente nivelador com que usualmente vinha aparelhada.

Pode, pois, dizer-se que Garrett, embora concedesse à liberdade as honras de maiúscula, era o menos liberal dos liberais e, pela moderação dos seus conceitos, a que repugnava a desordem e a anarquia, foi único entre os seus pares. Daí a incompreensão de que foi vítima.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

«Das ruínas - escreve -, das cinzas de um governo representativo se elevou o formidável colosso da tirania ministerial». De monarquismo indefectível, veja-se como Garrett aponta para Pombal, e não para a pessoa de el-rei.

E, porque assim foi, dirá ainda: «a nação portuguesa, desligada pela falta de cumprimento, pelo desprezo das condições do seu contrato, do vínculo, da obrigação, tinha todo o direito de abolir um tal governo, de clamar pela sua liberdade e restaurá-la».

Eis como, através da doutrina pactualista, Garrett justifica o movimento insurreccional restaurador da representação nacional, abolida pelo absolutismo. Da qui que o liberalismo moderado de Garrett pretenda sei- um regresso, actualizado embora, às lídimas tradições da monarquia representativa tradicional. Para Garrett não há revolução, mas restauração, regresso às formas tradicionais de governo, à ordem rectamente constituída.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - À monarquia nova, de resto, sempre Garrett chamou monarquia representativa, estimando-a a melhor fornia de governo, pela feliz combinação do princípio democrático com o monárquico.

Aqui é evidente o equívoco de Garrett. A monarquia tradicional era, sem dúvida, representativa. Nas Cortes achavam-se representadas as categorias sociais, tais como se foram organizando e estratificando: clero, nobreza e povo. E estas não eram categorias abstractas, sem realidade viva e concreta. Tais categorias correspondiam a agrupamentos sociais bem definidos e de interesses muitas vezes, ou quase sempre, divergentes, que pela intervenção de el-rei se unificavam no interesse nacional, por ele e nele representado.

O erro de Garrett esteve em transferir para o indivíduo, abstraído do seu grupo e meio, a representação orgânica da monarquia tradicional. Aferrado, porém, ao seu liberalismo, e ainda que tenha pressentido o erro, já não logrou repudiá-lo totalmente.

Da sua boca saíram palavras desdenhosas - e severas para a «santa urna» e para a chamada opinião público, que ele apelidou de «rainha fantástica»; mas o que mais o desgostou e nauseou foi a luta mesquinha dos partidos, sobrepondo os seus interesses ao interesse nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para Garrett havia apenas dois partidos: o da monarquia velha e o da monarquia nova; mas o único partido em que militou sem desfalecimento foi o do interesse nacional - tudo o mais era algaraviada de facções.

Uma vez que transferira para o indivíduo a representação política da Nação, teve de aceitar, por necessidade lógica, a existência de partidos. Garrett, porém, concebia-os como se não fossem partidos e se movessem, idealmente desinteressados, apenas no sentido do interesse nacional. Ao seu espírito analítico e zeloso dos interesses do País cedo se revelou, porem, a odiosa omnipotência partidária, mais ciosa dos seus pequenos interesses do que do serviço da Nação. E aqui começam os seus desencantos, tão profusamente assinalados nos discursos parlamentares.

Em 1839 disse na Câmara dos Deputados:

... em Portugal ainda se não entendeu por liberdade senão governar o País o partido que está dominante. Esta pode ser a liberdade do partido; não a liberdade dó País.