E em 1841, mais desiludido ainda, confessava já:

Estou, infelizmente, convencido de que o Governo representativo entre nós tem sido, até aqui, uma mera ficção.

E, ainda no mesmo discurso e mais adiante, sai-lhe este amargo desabafo:

... se me asseveram que o Governo representativo há-de ser este, não o quero, e se, quando eu vivia debaixo do pacífico e manso absolutismo do Sr. D. João VI, de saudosa memória, soubesse que estes haviam de ser os efeitos de vinte anos de sangue e de trabalhos, eu diria: não quero trabalhar nesta causa; diria, Sr. Presidente, porque antes hoje estar vivendo debaixo daquele Governo tranquilo, não perseguidor e fiel ao seu programa de governar absolutamente o País, mas com certa moderação e certa placidez, antes queria este Governo, do que quero um Governo sofisimador, que mente em nome da liberdade, que falta a quantas promessas me fez pelo meu sangue derramado, pêlos meus filhos mortos no campo de batalha, pelas forcas, pêlos patíbulos, enquanto nos escravizam em nome da liberdade e nos dizem, com mofa que rala o sangue: é isto por que combatestes há vinte anos!

Dois anos depois, .prevendo já uma era de despotismo partidário, ergue-se novamente no Parlamento para apontar o perigo, e fá-lo nestes termos corajosos:

Desse despotismo é que nos receamos, não é do despotismo da antiga monarquia, é do novo, que, trazendo-nos todos os males que naquele existiam, não nos dá uma só das garantias que as antigas instituições formulavam. Sim, mil vezes sim, que, obrigado a escolher, eu sem hesitar optaria antes por esse Governo absoluto que fosse regulado por leis e costumes, por um absolutismo que não fosse deste que se faz por portaria e decreto nas. secretarias do Terreiro do Paço. Não tenho medo de que me acusem de absolutista; rio-me e escarneço dessa acusação!

Fomentado por aquele absolutismo, já Garrett via surgir, pela dinâmica fatal do sistema, as oligarquias financeiras, escrevendo no Arco de Sant'Ana:

Mais tarde, em 1854, já na Câmara dos Pares, Garrett, ainda aferrado aos ideais da sua juventude, bate contritamente no peito, acusando-se e acusando os outros dos malefícios que, por sua inconsideração, trouxeram ao País:

Eu sou o primeiro a confessar-me réu nesta acusação - diz -, a querelar de mim mesmo pelo que tenho contribuído com minha inexperiência e cego zelo para muitas dessas desvairadas provisões, dessas imitações e traduções estrangeiras com que erradamente, sem método, sem nexo, temos feito deste pobre país um campo experimentado de teorias, que basta serem tantas e tão encontradas para nenhuma se poder realizar.

Admiremos neste liberal convicto a corajosa atitude de acusar-se e acusar os seus pares dos malefícios de que o País padecia, abruptamente privado das suas instituições tradicionais, à sombra das quais prosperara e se engrandecera.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sacrificado às quimeras de um filosofismo abstracto o que de vivo a história foi elaborando e aperfeiçoando, ficou o deserto, no qual os ideólogos nada de durável puderam construir. Por isso Garrett, levado pela sua bem provada honestidade intelectual, se confessou publicamente, batendo no peito, onde a morte não tardaria em adormecer-lhe o seu portuguesíssimo coração.

Mas ainda então, com a evidência diante dos olhos, Garrett não foi capaz de tirar as conclusões finais:

... o defeito -dizia- não está no sistema, que é belo; não está nos homens, que somos como os outros e melhores que muitos outros. O defeito está nas instituições, que são viciosas; nas leis, que são defectivas e incoerentes. Eis aqui Q única, a verdadeira, a desapaixonada explicação do que entre nós se experimenta - porque o facto é, facto espantoso e tremendo -, que com o sistema representativo é impossível que nenhum outro Estado seja pior governado do que o nosso.

Apesar da sua clara inteligência e bem temperada coragem, Garrett não conseguiu sobrepor-se ao que foi o sonho da sua vida e ao qual, por tantos modos, tudo sacrificou. Seria exigir demasiado.

Coerente apenas com os princípios e fiel, intemeratamente fiel, à lei do interesse nacional, Garrett tinha de passar incompreendido e vaiado pêlos homens dos partidos, que ele denodadamente combatera.

E foi o aceso da luta, com a presciência do que havia de suceder-lhe, que Garrett, no famoso discurso do Porto Pireu, esmagou os seus adversários nestas frases veementes e elegantíssimas:

Os indivíduos morrem; depois da morte vem a justiça, e começa a imortalidade das famas honradas. Eu não sou materialista religioso nem político; espero salvar a minha alma em Jesus Cristo e o meu crédito na lembrança dos Portugueses: nessa esperança certa de ressurreição adormeço tranquilo ao som dos uivos infernais com que presumiam fazer-me desesperar nesta hora que cuidaram de morte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem sabe hoje o nome de tantos desses triunfadores momentâneos do sufrágio P Por que actos beneméritos há-de recordá-los a Nação? Passaram sem deixar memória que valha. Garrett, porém, pelo seu portuguesismo sem limites, ficou na lembrança dos Portugueses e, hoje, os que vimos já frutos sazonados das muitas e boas sementes por sua clara inteligência semeadas aqui estamos a tentar saldar o crédito que de nós ficou.

Se muitos de nós não sacrificámos aos ídolos e, na caminhada para a cidade nova, nos não perdemos nos areais do deserto, ao preceptorado de Garrett ficámos devendo algumas certezas com as quais balizou os caminhos do resgate. Reconhecê-lo é, talvez, render ao