Ora, de duas, uma: ou o Código da Estrada continha já a parte regulamentar - e nessa hipótese compreendia-se que o mesmo fosse um diploma extenso-, ou aquele apenas tinha as regras fundamentais do trânsito e das situações jurídicas emergentes do mesmo, deixando-se para o regulamento tudo o que fosse acessório e complementar.

Se o código é em si próprio um regulamento, como compreender que tenha de ser regulamentado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A observarão não me toca.

Por mim não considero ridículo, ao contrário do que ouço, o facto de se dizer que os assentos devem estar desta ou daquela maneira e que a luz nas escolas de condução deve vir do lado esquerdo, como se diz no regulamento.

O que pode parecer ridículo é que ainda se torno preciso regular no nosso pais o ambiente de uma escola, porque devia pressupor-se que já não haveria nenhuma escola sem esse ambiente que agora se estabelece para as de condução.

O Orador:-Eu não falei a esse respeito. V. Ex.ª está a objectar sobre ponto que não versei e a que aludiu o nosso ilustre colega Melo Machado.

O Sr. Amaral Neto: -É uma questão de tempo de permanência na escola.

O Orador:-Uma das coisas que no código mais impressionaram toda a gente foi o artigo 59.º, que pune com prisão maior de quatro a oito anos, quando não lhe corresponder pena mais grave, o condutor que cause a morte a alguém quando conduza em estado de embriaguez completa ou incompleta e o acidente resulte de falta de destreza, atenção ou segurança proveniente desse estado ou de excesso de velocidade ou de manobras perigosas, nos termos da parte final do artigo 61.º, n.º 1.º, e o condutor deva ser julgado habitualmente imprudente.

Essa penalidade não podia deixar de considerar-se excessiva, pois o homicídio involuntário que alguém cometa, ou de que seja causa por sua imperícia, inconsideração, negligência, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento, é punido pelo artigo 368.º. do Código Penal com prisão de um mês a dois anos e multa correspondente.

Ora, no caso do artigo 59.º, alínea b), mesmo que não se trate de condutor habitualmente imprudente, a pena é de prisão não inferior a um ano, além da multa.

Todavia, embora violento, o artigo 59.º compreendia-se.

O mesmo punia o homicídio involuntário praticado por automobilistas por forma particularmente grave.

Ao voluntário correspondia, pelo artigo 349.º do citado código, a pena de oito anos de prisão maior celular, seguida de degredo por doze, ou, em alternativa, a pena fixa de degredo por vinte e cinco anos, sendo certo que, pela nova redacção dada ao Código Penal pelo Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954, não há pena de degredo.

O que não se compreende é que o artigo 5.º do já referido Decreto-Lei n.º 39 929 não considere abrangidos pelas alíneas do artigo 59.º do Código da Estrada os crimes meramente culposos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Nem depois da leitura da nota?

O Orador: - A nota oficiosa não pode explicar o que é inexplicável.

Já acentuei que com um automóvel se pode praticar homicídio voluntário, atirando o carro para cima da vítima.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Como se lhe tivesse dado um tiro!

O Orador:-Exactamente. Mas os casos do artigo 59.º são de homicídio involuntário, por natureza meramente culposo.

Se esse artigo não se aplica aos crimes culposos, eu gostava que V. Ex.ª me dissesse a quais se aplica.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu francamente não digo nada. Está esclarecido na nota.

O Orador:-Li a nota, mas não tenho presente a explicação dada nesse ponto. Não vejo, porém, forma de sair desta situação: não se aplicar o artigo 59.º aos crimes culposos quando não há crime doloso.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Na nota está feita, n descrição, que vem em qualquer página de sebenta.

O Orador:-Nunca estudei por sebentas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu estudei e ajudei a fazê-las.

O que V. Ex.ª pretende que eu esclareça está na nota e na sebenta.

O Orador: - A nota não vem no Diário do Governo e não obriga ninguém.

O Sr. Mário de Figueiredo: -É certo; mas esclarece o que V. Ex.ª diz não perceber. Ora eu compreendo que não concorde com a doutrina; mas não compreendo que não perceba a doutrina que está na nota.

O Orador:-Eu aludi à nota apenas para salientar que ela desiludiu aqueles que supunham que o Governo estaria disposto a rever todo o Código da Estrada e a corrigir tudo aquilo que não estivesse certo. Afinal, as alterações operadas são insignificantes e não satisfazem as justas reclamações formuladas contra o código.

Nem a nota, repito, pode ter o efeito de alterar diplomas publicados no Diário do Governo.

O Sr. Melo Machado: - Mas o que é que vale nos tribunais: é a nota ou os artigos da lei?

O Orador: - É, evidentemente, o Diário do Governo. E, como verifico que ninguém me explica a minha grave dúvida, passo adiante.

Um dos pontos mais importantes do código o um dos poucos a que se refere o relatório ó o que respeita à responsabilidade civil.

Naquele relatório diz-se que não se estabeleceu o seguro obrigatório por razões insuperáveis de ordem económica, pois a obrigatoriedade do seguro exigiria a reorganização de toda a indústria.

Numa exposição dos industriais de seguros que veio publicada no Diário das Sessões diz-se que essa indústria está preparada para fazer tal seguro; depois de publicado o decreto de 24 de Novembro, o Governo consultou a Câmara Corporativa sobre um projecto de decreto-lei em que se mantém o regime do Decreto n.º 21087, de 14 de Abril de 1932, declarando-se obrigatório o seguro antes da hipoteca do veiculo.

É certo que, nessa hipótese, o seguro pode limitar-se ao montante da hipoteca, enquanto o seguro obrigatório deveria abranger todos os riscos, sendo certo que o