çam que eu nunca estou zangado, e muito menos com o nosso querido amigo e ilustre leader, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abel de Lacerda: - Sr. Presidente: como de todos é sabido na história dos transportes podemos dividir as vias de comunicação em naturais e artificiais.

São vias, naturais, imutáveis por definição, a água e o ar, e assim os transportes se adaptaram às condições específicas dos mares, dos rios e, modernamente, do ar. Os transportes aqui são consequência do meio onde têm de desenvolver-se, são uma resultante condicionada por eses mesmos meios ou vias naturais de comunicação.

As vias artificiais são produto da presença e acção do homem sobre a terra; a sua deslocação dá origem aos caminhos de pé posto e vicinais, e a utilização do automóvel em larga escala implicou a construção das modernas estradas bem diferenciadas das antigas.

Passa-se agora um fenómeno inverso: não é o meio de transporte que se adapta à via de comunicação; esta é que tem de se adaptar àquele. A realidade não ê a estrada mas sim o automóvel que é o elemento desencadeante da construção da estrada moderna, e, longe de ser ele a adaptar-se à estrada. esta é que tem, técnica e funcionalmente, de se adaptar ao automóvel.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, assim vem acontecendo em toda a parte: os modernos pavimentos, a visibilidade os ... a sinalização, a plataforma cada vez maior mercê da necessidade de permitir o tráfego, a largura e velocidade dos veículos, são factos indiscutíveis da adaptação e ajustamento das estradas às exigências do automóvel.

Isto é: a realidade é o automóvel e a estrada moderna a consequência do seu aparecimento: ou por outras, palavras: no princípio está o motorizado, sendo a estrada a satisfação das suas necessidades de utilização, necessidades que por serem da vida actual, cumpre aos estados modernos satisfazer. E por isso o Estado cobra, e muito bem, o imposto sobre carburantes, automóveis e seus acessórios, imposto destinado a suportar os encargos de conservação, ampliação e modernização rodoviária de acordo com as exigências dos veículos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na estrada de pavimento alcatroado ou especial quem está, pois, no seu lugar é o automóvel (e quando digo automóvel generalizo o conceito aos outros veículos); os demais utentes dela beneficiam pois tabela.

E, assim, o Código da Estrada devia, a meu ver, encarar a presença do automóvel como ... e depois coordenar com a sua existência na medida do possível, todos quantos, por acréscimo, da estrada se utilizam também. Dando a César o que é de César, o alcatrão ficaria para o automóvel e as bermas para o peão.

Assim diferenciadas as superfícies de utilização de cada um, só ha atropelo de direitos e consequentes responsabilidades quando se invadir terreno alheio: se o peão for colhido na faixa expressamente construída para utilização automóvel, a culpa é sua; mas se o automóvel invadir a baixa dos peões, então é responsável por todas as consequências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta interpretação altera profundamente toda a estrutura do código promulgado pelo Governo e em discussão nesta Assembleia. Ele parte da estrada, via artificial de comunicação, como primeira realidade e pretende regular a sua utilização por todos os interessados: o automóvel é nela quase um intruso e total ou parcialmente culpado de todos os acidentes. Tal posição afigura-se-me errada, pois, como já disse a estrada moderna é consequência do automóvel, e não este daquela.

Em ligeiro apontamento, nego-me também a aceitar a acusação, não formulada mas implícita no código, de que cada automobilista é um criminoso em potência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Visto assim o problema na generalidade, ele modifica-se de tal forma que nem me atrevo a entrar na especialidade do diploma, pois é evidente que, partindo de premissas opostas, as consequências seriam francamente divergentes: estaríamos fora da questão.

Porém, a criteriosa e minuciosa análise com que o deputado Amaral Neto efectivou o seu aviso prévio a sólida argumentação jurídica do Deputado Vasco Mourão, o valioso contributo de todos os oradores que me antecederam neste debate, levam-me à conclusão de que não obstante a Assembleia aceitar os conceitos básicos do código, discorda profundamente de muitas das suas disposições e regulamentação. Ao proceder assim, uma vez mais a Assembleia se faz eco e interpreta o sentir da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Anteriormente já o mesmo acontecera com a exposição que o Automóvel Clube de Portugal, autoridade de indiscutível competência na matéria apresentou em 30 de Outubro ao Sr. Ministro das Comunicações: exposição objectiva e sensata, que aliás, bem merecia ter recebido melhor acolhimento e atenção.

Isto é: por roda a parle, e seja qual for o ângulo de visão, b código tem sido alvo de muitas críticas e escassos louvores; mas porque estamos certos de que não é norma governamental impor diplomas contrários ao consenso geral, espero firmemente que juntos e tão variados clamores encontrem a devida satisfação, para que a lei se imponha, se respeite e se conserve de preferência pelo seu acerto e não pela força do Governo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Vozes: - Muito bem!