tado decidido empenho de acabar a hipertrofia legislativa vigente a propósito das regras de trânsito e de compilar, num novo e único diploma, tudo quanto importa estabelecer e definir acerca desse mesmo vasto e melindroso assunto.

Vozes: - Muito bem!

Aludo à circunstância de não se encontrar reproduzido no novo diploma o princípio consignado, creio que na alínea c) do artigo l38.º do Código da Estrada anteriormente vigente.

Nele se dizia que os bens do casal comum da pessoa ou pessoas responsáveis pelas indemnizações emergentes do acidente de viação podiam, se não serem total e imediatamente executados, ao menos serem praticamente comprometidos pela imediata e completa execução do direito e acção que neles tinha o responsável civilmente pelo acidente.

Esta disposição constituía aberta e claramente uma excepção à regra do nosso direito civil, consignada, para não irmos mais longe desde a promulgação em 1867 do nosso Código Civil e depois no decreto que revogou alguns dos seus preceitos, promulgado em 1930, quando Ministro da Justiça o nosso ilustre colega nesta Câmara Sr. Dr. Lopes da Fonseca.

Esse princípio-regra, consignado no artigo 1114.º do Código Civil, é o de que as dívidas próprias de um cônjuge con traídas na constância do matrimónio não podem ser desde logo pagas pela imediata execução dos bens comuns, ou sequer da nomeação que neles tenha o devedor, mas apenas garantidas pela penhora do seu direito e acção nesses mesmos bens, suspendendo-se aí a execução até ocorrer dissolução do casamento ou separação judicial dos cônjuges.

A tal princípio, que eu saiba, apenas havia - e por óbvias razões - excepção consignada, no artigo 10.º do Código Comercial, onde se estatui que a execução dos bens comuns pode ser imediata, embora se reserve e conceda à mulher do comerciante devedor por dívidas comerciais a possibilidade de vir requerer a separação da sua meação no decêndio posterior à respectiva penhora. Portanto, a disposição especial da alínea c) do artigo 138.º do Código da Estrada de 1930 era na verdade, contraditora da regra geral da responsabilidade civil dos cônjuges por dívidas contraídas na constância do matrimónio.

Acontece que esse princípio não foi trasladado para o actual Código da Estrada, e eu julgo que muito bem, porque assim há possibilidade de solucionar o problema da responsabilidade civil dos autores de acidentes de viação ou dos demais que por ele são civilmente responsáveis, de harmonia com os princípios gerais do nosso direito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entretanto, não ignoro nem contesto o melindre do problema.

Por certo há que atender simultaneamente ao interesse da vítima do acidente quanto à possibilidade de receber rapidamente a indemnização a que, porventura, tenha direito e ao interesse da estabilidade económica do casal do autor do acidente ou do responsável pelas indemnizações que no mesmo se originam.

Ora, por via de regra, essas responsabilidades estão cobertas por contratos de seguros, de modo que à vítima do acidente ou às pessoas com direito a receberem a indemnização por virtude dele está garantida a possibilidade de imediato recebimento da companhia seguradora para a qual essas responsabilidades foram transferidas.

Inversamente, acontece que só não terão seguros aqueles economicamente mais débeis, que não podem pagar os respectivos prémios, mas precisamente com relação aos quais o ritmo da vida moderna mais impõe a necessidade de circular nas estradas em realização dos seus negócios e em acção de propaganda dos seus produtos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - É tipicamente o caso do pequeno industrial, tantas vezes dono apenas de reduzida e insignificante oficina doméstica, para quem a fatalidade do acidente que produziu poderá expor à amaríssima consequência de ver praceado e perdido, para desabrigo das mulheres e dos filhos, o único bem que possua e seja, por hipótese, a própria modesta casa de residência da sua humilde família.

Esta gravosa consequência em nada pode sofrer confronto com o interesse relativamente menor dos titularas do direito à indemnização de a receberem imediatamente, aliás já garantido em principio e apenas só concretizável quando se dissolva o casal dos devedores.

Fazer prevalecer a urgência do titular do direito à indemnização, mesmo contra a estabilidade económica do lar, é cruel e inadmissível, mormente em sociedade cuja, estrutura constitucional escreve na primeira linha das suas disposições as que visam a protecção e a defesa da família.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Foi para significar isto mesmo que subi a esta tribuna e para dizer, salvo o muito respeito que devo às opiniões adversamente manifestadas pelos nossos ilustres colegas Drs. Vasco Mourão e Sá Carneiro, que, ainda neste aspecto, o novo Código da Estrada consignou os princípios que, dos pontos de vista jurídico, social, económico e moral, reputo mais rigorosos e mais válidos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, tendo por ordem do dia a mesma que estava indicada para a de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 13 minutos.