O Sr. Camilo de Mendonça: - Suponho que o Grémio do Comércio de Exportação de Vinhos estabeleceu quotas de rateio na exportação para o ultramar e confesso que, embora eu entenda que se trata de uma medida tipicamente corporativa e da sua competência, não compreendo que, no momento em que o País está assoberbado com a saída de vinhos, se atenda mais a problemas de aparente concorrência do que ao do escoamento do excesso de produção. E digo aparente concorrência porque o problema, no fundo, tem outras causas.

V. Ex.ª já citou o problema do frete e eu desejaria acrescentar o do retorno do vasilhame. Note V. Ex.ª que na exportação de vinho para Angola o valor do vasilhame é superior ao do próprio vinho.

Desejava ainda referir que, no momento em que aquele Grémio entendeu oportuno o estabelecimento de quotas de rateio, em Angola vai começar a fabricação de cerveja para indígenas, o que traz as maiores e mais sérias consequências no que respeita ao consumo de vinhos naquela província.

cerca de 260$ o montante dos encargos de cada barril de 100 l (ou sejam 2$60 por litro) colocado nos portos de Angola, compreendendo o custo do barril, sua adaptação, fretes no continente, taxas, contribuições, seguro, frete marítimo e encargos aduaneiros no continente e em Angola, etc.

Para Moçambique o frete marítimo tem um acréscimo de cerca de 16$.

E não devemos esquecer ainda os grandes capitais empregados, juros bancários, diferenças cambiais, transferências, demoras, quebras, derrames, avarias, contribuição industrial, etc.

Não admira, pois, que, ainda com uma margem de lucro normal, o preço do vinho comprado aqui ao produtor, por exemplo, a 2$ o litro, chegue às mãos do retalhista nos portos de destino por mais do dobro e ao interior por preço incomportável, pois, neste último caso, acrescem novos intermediários e o transporte terrestre, que, se não estou em erro, já em 1949 era em média de 10 a 13 angulares por barril de 100 l.

Multiplica-se o preço e, o que é pior, multiplica-se, quantidade ... Dois multiplicadores alarmantes!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª está a admirar-se do alto preço do vinho em África, para consumo geral e dos indígenas, mas, se considerar o preço dos vinhos engarrafados em Lisboa e noutras terras do continente, parece-me que não haverá tanto motivo para espanto.

O Orador: - Já me referi ao alto preço dos vinhos engarrafados V. Ex.ª tem razão.

E desnecessário dizer mais para só ver que é indispensável combater inexoravelmente semelhante desproporção. Fica muito pelo caminho.

O preto bebeu, bebe, há-de beber sempre, mas, embora aprecie mais o vinho, terá de recorrer às suas bebidas tradicionais. Não hesitará em desistir do consumo do vinho, se este não mantiver a qualidade e a graduação verificadas no embarque e for convertido, depois, numa droga pior de que aquilo a que antigamente se chamava «vinho para preto», isto é, uma zurrapa inconcebível, uma mixórdia intragável, preparada às vezes por intermediários sem escrúpulos, e especialmente no interior, pelo retalhista, com água, matérias corantes expostas nas boticas para tal uso, aguardente de cana e, segundo li, sementes apimentadas, para lhe darem o «rascante». Quanto mais o preto se vai aproximando do estado de embriaguez mais aumenta o «multiplicador».

E aqui surge, naturalmente, o difícil e importante aspecto da genuinidade.

Ela é verificada na ocasião do embarque por uma comissão especial do Grémio do Comércio da Exportação de Vinhos, mediante a análise das remessas, e, sendo, como é, feita por amostras colhidas ao acaso, é de presumir que dificilmente escapem à malha da fiscalização as adulterações ou os efeitos do tal «multiplicador», que, infelizmente, também por cá é utilizado por certa casta de indígenas mixordeiros sem escrúpulos, que só não devam as colheitas ao quadrado porque o açúcar, os corantes e outros ingredientes não abundam e são caros, e a fiscalização, apesar dos seus precários meios de acção, evita que vão riais além. É o que chamam «vinho a martelo».

Portanto, se, porventura alguma vez não é possível evitar que cheguem ao seu destino partidas de vinhos sem as condições de acidez volátil e de graduação necessárias para poderem resistir a demoras, transportes e intempéries, certo é, porém, qu e é lá, no ultramar, que o problema reveste mais dificuldades. Há que reconhecê-lo.

O Sr. Melo Machado: - O «vinho a martelo» que V. Ex.ª fala é oficialmente considerado. Há características, mas não existe a prova.

O Orador: - O problema não é de agora; vem de longe. Mas a solução resume-se praticamente nisto: fiscalização, fiscalização activa e sanções rigorosas, que não excluam a prisão não remível e o encerramento definitivo dos estabelecimentos dos reincidentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Freire da Andrade, que ao tempo considerava deficiente a fiscalização no embarque, julgava-a muito difícil feita directamente no ultramar; mas, como a falta dela, quer nos vinhos importados, quer sobre o consumo das bebidas cafreais, estava afectando gravemente a importação que em -1908, ali em Moçambique, fora de 8 milhões de litros e baixara em 1910-, Freire de Andrade, dizia eu, sugeriu, entre outras medidas, a proibição de destilação de frutas, a redução do número de licenças de «cantineiras», que então eram já 2627, e propôs a criação ali de serviços de análises e de um corpo de polícia de fiscalização, mesmo de polícia indígena, com percentagem nas multas. Com estas providências entendia aquele governador que o consumo dos vinhos do continente podia aumentar ali em 30 por cento.