(...)preende do alto do cabo Mondego ou das costas da serra da Boa Viagem; se tudo isto constitui um titulo turístico dos mais nobres, não é, todavia, por causa de tantas belezas naturais que resolvi pedir a palavra.

A minha exposição será porventura árida e seca, porque os meus motivos mergulham nas preocupações sérias da vida social.

Pensou-se na construção de um sanatório heliomarítimo na Figueira da Foz não porque este local ficasse perto de Coimbra ou por qualquer outra razão igualmente fútil.

A Figueira da Foz foi escolhida por ser apropriada à cura heliomarítima, dada a sua estabilidade térmica e higrométrica, dada a sua luminosidade, tendo-se em conta condições climáticas próprias que merecem ser conhecidas dos leigos, para estes poderem formar juízo fora do pendor de conversas superficiais.

Sem descer a pormenorizações demasiado técnicas ou a dados científicos que só interessam e com que só podem estar familiarizados os profissionais, vou começar por é que em Agosto e Setembro (20º,20 -19º,30) abalança pende a favor da Figueira.

Mais importante talvez é a estabilidade térmica da Figueira, pois a média anual das oscilações diárias mostra quanto é estável a sua temperatura (6º,7) em relação a Biarritz (7,36) e Nice (10º,95).

Por outro lado, a serra da Boa Viagem constitui o natural anteparo que abriga a Figueira dos ventos do norte, diminuindo a violência das nortadas pela atenuação da velocidade daqueles.

A Figueira tem um clima bem marítimo, com grande predomínio dos ventos de mar (2434 rumos) em relação aos ventos de terra (1187 rumos), que sopram respectivamente de oeste e de leste.

Mas que não é uma praia ventosa, ainda que arejada, provam-no as suas calmarias, cuja percentagem é superior (15 por cento) às de Biarritz (7 por cento) e Nice (10 por cento).

Quanto ao seu estado higrométrico, fica compreendido na margem considerada óptima de 70 a 80, pois é de 79,35.

A humidade relativa de Biarritz é sensivelmente a mesma (80).

Quanto à luminosidade, factor capital em helioterapia, a Figueira triunfa completamente, com um número de horas de sol descoberto por ano (2772) superior ao de Biarritz; (1671) e de Nice (2625).

São estas 2772 horas de sol que fazem da Figueira a praia da claridade.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Do trabalho citado colhem-se os dados que mencionei e muitos outros igualmente instrutivos, mas que não refiro para não me alongar demasiadamente.

Cumpre-me acrescentar que existem algumas divergências entre os elementos colhidos pelo Dr. Celestino Maia, referidos ao período 1931-1935, e os que vêm registados na notável obra O Clima de Portugal, da autoria do meu querido amigo, nosso distinto colega e douto director do Observatório Infante D. Luís, Prof. Amorim Ferreira, referentes ao período 1931-1941.

As divergências resultam de terem sido feitos os registos a horas diferentes, isto é, às 9 horas, 15 horas e 21 horas na monografia do meu colega Dr. Celestino Maia e às 7 horas, 13 horas e 18 horas na obra do Prof. Amorim Ferreira.

Deste modo se explica que o Prof. Amorim Ferreira indique 14º,35 como valor normal da temperatura anual da Figueira da Foz, enquanto o Dr. Celestino menciona 15º.36.

É interessante assinalar a importância da serra da Boa Viagem na relativa calma anemológica da Figueira, comparando, nos mapas do Prof. Amorim Ferreira, o que se passa na Figueira e em Aveiro, cidades ambas de clima marítimo, ambas pertencentes à região atlântica do Norte, da divisão do meu colega Dr. Armando Narciso ou zona mediterrâneo-atlântica do Prof. Amorim Girão.

Segundo aqueles mapas, a velocidade do vento igual ou superior a 30 km horários tem o valor anual médio de 17,8 na Figueira e de 54,2 em Aveiro; quanto ao vento com velocidade igual ou superior a 55 km horários, tem na Figueira o valor anual médio de 2,1 e em Aveiro de 16,3.

Quer dizer: em virtude de pormenores locais, a Figueira reúne, em equilibrada e vantajosa combinação, os factores climáticos benéficos do clima mediterrâneo (caracterizado por pouca humidade, muita luminosidade, anemològicamente calmo, mas de temperatura relativamente elevada) e do clima atlântico (caracterizado por ser mais húmido, menos quente, com boa estabilidade térmica e higrométrica, mas ventoso).

Em suma, ar puro, luminosidade incomparável, estabilidade térmica e higrométrica, bom regime anemológico, isto é, clima marítimo dos melhores entre os melhores, podendo mesmo conjugar-se os benefícios da serra e do mar, tais são as condições que indicam a Figueira para estância heliomaritima de primeira qualidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-O confronto com as praias estrangeiras de maior nomeada reverte a favor da Figueira.

Assim, podemos estar certos de que ali a recalcificação óssea, o avigoramento das defesas orgânicas e o aumento das trocas nutritivas estarão assegurados por condições climáticas excepcionalmente favoráveis.

O Sr. Manuel Vaz: - V. Ex.ª está a fazer o confronto da praia da Figueira da Foz com as estrangeiras e eu desejaria, porque isso me interessava muito mais, que V. Ex.ª fizesse o confronto com as praias nacionais do Norte.

O Orador:-Não fiz esse confronto porque não queria dar ao problema que estou a tratar o aspecto rebarbativo do bairrista que entende que o que tem em casa é o melhor.

Em todo o caso posso dizer a V. Ex.ª que a estabilidade higrométrica da Figueira da Foz (4º,03) é muito maior do que a dos Estoris (10º, 1), segundo os apontamentos que, por acaso, trago na minha pasta.