O que se tem em vista não é propriamente a República. Mas a República dos partidos, e sobretudo os partidos; a República parlamentar, e sobretudo o parlamentarismo; a República demo liberal, e sobretudo o liberalismo e a democracia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se tem em vista é a República dos primeiros dezasseis anos, a República demagógica e jacobina, a desordem e a degradação, a que pôs termo, patrioticamente, o 28 de Maio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que aí viria seriam as mesmas ideias de perdição, já sofridos, por desgraça, na nossa carne e na nossa alma, já condenadas pela razão e pela experiência, já varridas pela alma da Nação, num sobressalto que arrancou das suas mais fundas reservas morais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que aí viria seriam os meamos homens, sempre obstinados, sempre impenitentes, sempre saudosos dos seus tempos, sempre de olhos cegos para as verdades mais palpáveis. Que nem reconhecem os seus erros e os seus pecados, nem alcançam a grandeza do esforço reconstrutivo em que andamos empenhados, nem, sequer, vêem que tudo neles é bafiento e decrépito - as ideias, as palavras, os métodos e os homens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Lá está, à cabeça, o Sr. Vice-Almirante Cabeçadas, o inevitável Sr. Vice-Almirante Mendes cabeçadas. Homem de irrecusável probidade pessoal, sincero nas suas crenças, reconhecidamente animado de boas intenções; mas politicamente nefasto, porque tem sido instrumento dócil dos partidos, ainda que, não nos custa aceitar, em homenagem às suas virtudes de carácter, na melhor boa fé e com os melhores propósitos.

Encontrámo-lo logo nas primeiras horas do 28 de Maio, manifestamente manobrado pelas habilidades dos políticos escorraçados do Poder.

Foi à sua sombra que se desenvolveu a maquiavélica tentativa de apoucar o alto sentido da Revolução, de amesquinhar as proporções transcendentes que o levante daquela hora redentora se propunha e veio a ter na história e nos destinos da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Encontrámo-lo depois, não sei quantas vezes, e sempre em posições que só podiam servir os ruins desígnios das facções responsáveis no descalabro da Nação.

E ainda, para que não fiquem dúvidas, lá está também, nos considerandos da representação, a apologia clara desses dezasseis anos funestos de demagogia. Lá está, bem à vista e bem inequivocamente, ao exaltar, vou transcrever à letra, «a obra a todos os títulos notável dos primeiros tempos da República»; e mais adiante, ao insistir nas excelências dos ideais do regime -entenda-se desses dezasseis anos- e dos «benefícios, que muitos foram os que dele advieram para o povo português». E até um dos males que a nota lamenta e o movimento se propõe remediar é, entre outros, que as novas gerações sejam -volto ao texto - «mantidas na ignorância ... do esforço honesto dos seus estadistas», «por tudo as ter incapacitado de se inteirarem da verdade e da justiça».

Não é aqui o lugar nem a hora de rememora r, em resposta, as misérias e as vergonhas, as ruínas e os crimes, o aviltamento e a baixeza, desses tempos e dessa política nefasta, que ficou como noite negra da nossa história.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Levanto apenas a minha voz de repulsa indignada, o meu protesto veemente de honrem e de português contra esta tentativa ignominiosa de mistificação das almas novas, contra este cínico impudor com que se negam as verdades mais irrecusáveis, com que se pretende transfigurar em glória o que é torpeza, em honra o que é infâmia, em virtude o que foi delito, em benefício o que foi malfazejo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Repulsa e protesto onde sinto clamor comigo a voz da Verdade, que eles atraiçoam, a voz da Inteligência, que eles prostituem, a voz da Justiça, que eles ultrajam, a voz da Pátria, que eles crucificaram humilharam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com uma pontinha de malícia seria oportuno daqui perguntar ao Sr.

Vice-Almirante: se era «a todos os títulos notável a obra dos primeiros tempos da República», «se muitos foram os benefícios que desse regime advieram para o povo português», porque se revoltou, então, e por mais de uma vez, a sua consciência de homem honrado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porque, ainda, mesmo sem abranger ou sem querer perfilhar todo o alcance da Revolução, esteve na primeira hora entre os que capitanearam o 28 de Maio, que era a condenação desse passado?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já se esqueceu que, entre outras coisas, declarou, na hora da sua efémera presidência do Governo: «É preciso sanear, limpar e moralizar; urge que as questões individuais, a dignidade do Poder, o respeito pela lei e o prestígio da autoridade não sejam uma ficção e uma burla como até hoje»?

Disse eu, também, e volto ao meu asserto, que a iniciativa anunciado não é, visivelmente não pode ser, um movimento de feição educativa e doutrinal. É, e só pode ser, não haja ilusões perigosas, um movimento passional e subversivo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se pretende, manifestamente, é o ataque, o ataque mortal, à situação política vigente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O plano é claro e desenha-se com a maior evidência e nitidez a quem ler e meditar, com alguma atenção, a representarão que há dias veio a público: lançar, aos quatro ventos, o alarme da República em perigo e da tenebrosa ameaça restauracionista. Denunciar a situação política como responsável deste perigo e desta ameaça e, ao mesmo tempo, como impotente para os conjurar. Pregar, aflitivamente, a união sagrada dos republicanos. E reclamar a constituição