Se o ano é de cheias, estas a todas matam.

E é frequente, num mesmo ano e no mesmo local, fazer-se primeira e segunda sementeira de trigo, que são inutilizadas por cheias sucessivas; faz-se de recurso uma sementeira de milho e ainda esta vai água abaixo.

Isto facilmente se certificará lendo o relatório minucioso e notável do engenheiro Noronha de Andrade, de 1938, então director da Hidráulica do Tejo, designadamente na parte em que descrave «As cheias do Tejo no Inverno de 1935-1936, a p. 47, onde, além do mais, diz:

As cheias tiveram início em 24 de Dezembro de 1930 ... Até 24 de Abril de 1936, data que pode ser considerada como sendo a do termo do período das cheias do Tejo, as alturas (das águas) atrás referidas variaram constantemente, ora aumentando, ora diminuindo ... em Santarém se observaram seis cheias ...

Estas cheias chegaram a atingir em Vila Velha de Ródão 18,9 m e em Santarém 7,85 m.

Na enumeração das perdas sofridas pelos proprietários aponta: inutilização de colheitas, avarias provocadas por alvercamentos, assoreamentos e arrastamento de camadas aráveis e interrupção dos trabalhos agrários.

Quem queira estudar e conhecer devidamente o que são as cheias do Ribatejo compreenderá a indispensabilidade da matéria da alínea e) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38 520, sempre que se tenha de estabelecer um regime jurídico do plantio da vinha em Portugal.

E que em tal zona a vinha é elemento indispensável para fixação das terras e a sua produção a menos susceptível de ser totalmente inutilizada pelas cheias.

O Sr. André Navarro: - Talvez V. Ex.a queira significar que a vinha fixa os nateiros.

O Orador: - Fixa a terra. V. Ex.a, que é distinto agrónomo, sabe melhor do que eu que aquilo que eu estou dizendo é verdade.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - As terras de vinha são revolvidas, geralmente, duas vezes por ano.

O Sr. José Sarmento: - Os choupos e os eucaliptos também podem ser utilizados para fixar as terras.

O Orador: - V. Ex.a já não ganhava alvíssaras pela sugestão que acaba de fazer.

Eu conheço o Ribatejo, vivo lá há trinta e tal anos e acredito nessa fixação.

O Sr. Manuel Vaz: - Eu mantenho a minha dúvida.

O Orador: - V. Ex.a está no seu direito.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Não gosto de estabelecer diálogo, mas permita-me ainda este esclarecimento: ouvi dizer a técnicos uma coisa que desactualiza um pouco as afirmações de V. Ex.a, ou seja que as barragens do Tejo e do Zêzere regularizam as cheias, afrouxando sensivelmente a sua surpresa e impetuosidade e, por vezes, o seu volume e repetição e ainda o assoreamento.

O Orador: - V. Ex.a pôs aqui o problema com toda a lealdade. São as cheias de Novembro e de Dezembro, etc.

Vêm as cheias a partir desta data e fica apenas a água, como VV. Ex.as poderão ir verificar neste momento. As cheias benéficas podem ter sido atenuadas, mas as cheias prejudiciais são as que subsistem.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - As comportas das barragens poderão evitar o afluxo precipitado das cheias, com os seu cortejo do destruições e ruínas.

O Orador: - Não posso estar de acordo com V. Ex.a

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de evitarem, quanto possível, interromper o orador. A hora vai muito adiantada, há ainda muitos oradores inscritos neste debate e convém que o Sr. Deputado Proença Duarte não deixe de terminar hoje as suas considerações.

Peço ao Sr. Deputado Proença Duarte o favor de continuar.

O Orador: - Por isso a experiência vivida de sucessivas gerações ribatejanas levou à, plantação de vinhas nas várzeas do Ribatejo, «nessas terras bravias -como diz o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu- que o bom Ribatejano converteu naquele manancial de riqueza, que, através dos tempos, tem vencido com tenacidade e resignação todas as crises e privações».

Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Ribatejano nas épocas de crise luta com tenacidade e sofre com resignação; não acusa as outras regiões de serem causa das suas infelicidades, nem as olha com inveja, nuas antes se regozija com as suas prosperidades e progressos. É esta a sua ética económica.

Mas quando injustamente o atacara, quando pretendem privá-lo de seus legítimos direitos, então, como também diz o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, sacode, sempre, com galhardia à chamada».

Mas não se suponha que o esforço do proprietário das várzeas ribatejanas se limita a cultivar a vinha nas suas várzeas.

Não há lavrador mais progressivo e mais ousado do que o ribatejano.

Ele procura e ensaia todas as culturas possíveis e utiliza todos os progressos da técnica.

Veja-se o que se dá com a cultura do arroz: produzia o Ribatejo em 1935 cerca de 25 000 000 kg e passou a produzir sucessivamente mais, até atingir 59 268 530 kg em 1951, no valor do 162:915.172$40; e em 1953 produziu 56 645 519 kg, no valor de 154:642.266$87.

E a produção máxima de arroz no País foi a de 1951, no montante de 141 296 738 kg, no valor de 394:217.899$. Estes números foram-me fornecidos atenciosa e rapidamente pelo Ex.mo Sr. Presidente da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, a quem aqui me apraz renovar o meu reconhecimento e prestar as minhas homenagens pela forma prestimosa, ordenada e digna como desempenha a sua função.

Como se calcula, todo este arroz que o Ribatejo produz não é produzido nas terras de encosta, mas nas várzeas, e muito dele na várzea do rio Tejo, naqueles concelhos ribeirinhos que tantos dizem só terem vinhas, como passo a referir:

(ver tabela na imagem)