(...) contra nós? O gosto, o paladar, a estética, a moral, somos nós que os criamos ou existem fora de nós? Há bom paladar e mau paladar, e, assim, o gosto subjectivo, no sentido de que Lá quem tenha bom gosto e mau gosto; mas até o facto de haver quem tenha bom gosto e mau gosto implica o reconhecimento de que a qualidade é alguma coisa exterior a nós: é objectiva, e não subjectiva.

O Orador: - Não pretendo, de forma alguma, nem estar a ensinar a V. Ex.ª o que é a qualidade, nem estar a expor uma teoria de qualidades em abstracto, e, por isto. se agradeço a lição de V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Figueiredo, não a aceito como aplicável ao meu tema.

Falo da qualidade em absoluto: da bondade ou da ruindade, puras e simples, que em matéria de vinhos se persiste - persistem alguns - em deixar dependentes da topografia, em primeiro e essencial lugar.

E entendo que nesta matéria há que distinguir primeiro tipos, tão diversos que são, e só dentro destes a qualidade.

Parece-me evidente, para exemplificar, que há vinhos do Porto, como tais, de qualidade nitidamente inferior a vinhos lisos, por exemplo, do Dão ou do Ribatejo, como tais também.

Na preferência por uns ou outros tipos é que intervêm os gostos pessoais, e na aceitação mais generalizada dos paladares mais experientes, ou educados, é que se estabelecem as qualidades relativas de uns e de outros, mas sempre qualidades relativas.

O Sr. Carlos Moreira: - Não suo as qualidades as condições essenciais para um tipo?

O Orador: - V. Ex.ª fala das qualidades, mas aqui fala-se de qualidade. .Não se discutem tipos de vinho; u dentro de cada tipo de vinho é que a qualidade resulta do concurso ou da ausência de um certo número do características, virtudes, propriedades específicas que o definem e distinguem. Temos, por exemplo, o aroma, a força alcoólica, o sabor, a cor; são factores de qualidade relativa, dentro do tipo. Agora pretender que a qualidade é virtude intrínseca e privativa em absoluto fie vinhos criados em certas condições topográficas e que, por outro lado, falta a vinhos criados noutras condições topográficas é que não compreendo nem aceito.

E, comercialmente - o que certamente importa perante uma crise de vendas-, qualidade é o gosto do público, como afirmou algures um francês bem experimentado e feliz no negócio de bebidas.

Qualidade, considerada em absoluto, a meu ver só pode afirmar-se ou negar-se acerca de um vinho com base na sanidade da uva e do fabrico:, então o vinho ó mau ou não é, e, nesta hipótese, melhor ou pior, segundo o grau das suas virtudes características.

Tudo, em suma, é assaz delicado e, repetirei, tem muito de subjectivo.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?

Eu suponho que tudo gira à volta disto: o vinho apresenta-se com determinadas características que em grande parte os laboratórios são capazes de determinar, e, portanto, a qualidade é, por assim dizer, ar consequência dessas características.

Ele procurou determinar as influências relativas dos factores da qualidade e achou que poderia sintetizá-las assim:

Da casta das cepas depende a qualidade, por 5/20;

Do terreno depende a qualidade por 1/20;

Da exposição depende a qualidade por 1/20;

Dos amanhos dependo a qualidade por 3/20;

Da vinificação depende a qualidade por 2/20.

Quer dizer: segundo este tratadista, considerado bastante digno de atenção, os factores topográficos entram na constituição da qualidade com um quarto apenas daquilo que se pode considerar como os elementos dessa qualidade.

O Sr. Daniel Barbosa:- Isso deve ser uma lamentável tecnolocalização.

O Orador: - V. Ex.ª pode chamar-lhe o que quiser.

Pois que os vinhos das terras baixas do Ribatejo aparecem assim eivados do defeito insanável de qualidade, permitam-me VV. Ex.ªs que lhes fale um pouco dos da minha própria terra, dos vinhos da Chamusca, criados nos areneiros baixos, e próximos do Tejo, do Sul do concelho, que gozaram da melhor fama em Lisboa até à destruição das vinhas pela filoxera. Fama tamanha que após o alvará pombalino de 1765, bem conhecido, essas vinhas que os produziam foram dispensadas da obrigação geral de arranque, para que não se perdessem esses vinhos, que tiveram importância durante séculos no mercado de Lisboa, com reputação de serem dos melhores que aqui se encontravam à venda. E não me vão VV. Ex.ªs recordar o Gil Vicente, porque ato nessa citação há um penico de parcialidade contra o Ribatejo, porque Gil Vicente, pela boca, da sua heroína, mostrou quo conhecia bem toda a topografia dessa, região, e os vinhos nomeados foram os de Óbidos e os de Santarém.

Ora Santarém tem duas faces vitícolas, e a que vira para Óbidos é a das terras de encosta, precisamente. Entre Santarém e Óbidos há extensos vinhedos: os do Bombarral, Cadaval, parte até de Caldas da Rainha.

Não seria aos vinhos daí que aludiria a graciosa bêbeda? Parece-me que, citados os dois pólos de tal área, a melhor interpretação tom de ser esta.

Que se lhe desse a outra pareceu-me toque de parcialidade, que da parte de pessoa tão ilustre e do meu respeito, como o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, confesso que me chocou.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª quer referir-se à Maria Parda...

Não fui parcial. Citei os «Prantos» dessa mulher imaginada por Gil Vicente para estabelecer o contraste entre o que era o vinha de Óbidos e de Santarém, no tempo dela, e o que é o vinho de hoje, graças ao esforço do Ribatejano. Eu seria parcial se, como ela era uma ébria dissesse: in vino veritas ... E acrescentaria que ela, por outro lado, elogiou o vinho de Alcobaça e o de Leiria.

O Orador: - Não digo que V. Ex.ª lenha sido voluntariamente parcial, mas achei que fez de certo modo figura disso, o que mo penalizou, pois ninguém gosta de encontrar jaça nos modelos que adopta. E a pessoa e a acção parlamentares de V. Ex.ª, Sr. Deputado