Como acima se disse, houve no decurso do tempo homens cultos - portugueses na Inglaterra, ingleses em Portugal - que, mercê das oportunidades oferecidas pelas actividades comerciais, pelas perseguições religiosas (movimento irradiante dos judeus portugueses para os países nórdicos nos séculos XVI e XVII), pelas expedições militares, pelas emigrações políticas, puderam estabelecer contactos directos, mais ou menos longos, com os acontecimentos, as instituições e os homens do país aliado, adquirindo experiência que lhes permitiu publicar, não Apenas livros de viagens, mas obras científicas e literárias de relevante interesse para ambos os povos. Houve também letrados e sábios, em qualquer das nações, que exerceram a função docente nas universidades da outra (desde Buchanan, aliás escocês, até Prestage), ou pertenceram a claustros académicos do país irmão, como a Sociedade Real de Londres e a Academia das Ciências de Lisboa. A isso se referem, em trabalhos ricos de informação, Henry Thomas (English translations of portuguese books); Saavedra Machado (O pensamento inglês em Portugal na Idade Media); Fran Paxeco (The intelectual relations betrocen Portugal and Great Britain); Felix Walter (La Litterature portugaise en Angleterre à l'époque romantique); Chapman e Shillington (The commercial relations of England and Portugal); Prof. Amorim Ferreira (Relações científicas entre Portugal e a Grã-Bretanha); e muitos outros. Estes factos, porém, não alteram de maneira sensível a posição do problema. Não se tratou, propriamente, pelo menos até certa data de relações culturais regulares entre Portugal e a Grã-Bretanha, mas - o que é diferente - de casos isolados, mais ou menos frequentes e mais ou menos brilhantes, que se produziam, não como expressão do entendimento das duas nações, mas perante a sua quase total indiferença. Actividades individuais de homens cultos, e não uma intercultura organizada. Essa, só depois veio, estabelecendo-se inglesa. Em 1938 inaugura-se em Lisboa o Instituto Britânico, para cuja fundação contribuiu a sugestão oportuna de um português, o Prof. Moses Amzalak, junto de Lord Tyrrell. Tinham começado pouco antes a funcionar o Instituto Inglês da Universidade de Coimbra, a Sala Inglesa da Universidade do Porto, o Gabinete Britânico de Documentação Económica e Financeira da Universidade Técnica de Lisboa. Então, sim, podia já afirmar-se a existência de relações culturais, não apenas entre indivíduos, mas entre Estados; não apenas entre alguns ingleses e portugueses ilustres, mas entre Portugal e a Grã-Bretanha. Faltava, porém, a autoridade de um estatuto, de um instrumento diplomático que a um tempo definisse o sistema de cooperação, estabelecesse n s suas bases jurídicas e políticas, assegurasse os meios, os métodos e os limites da obra de organização e de coordenação internacional que se impunha. Para isso os dois Governos negociaram e assinaram a presente Convenção, remelida para pr eparação de ratificação à Assembleia Nacional e agora submetida ao estudo da Câmara Corporativa. Corresponde, de facto, este instrumento diplomático ao alto pensamento que anima os dois Governos? O projecto de Convenção Cultural entre Portugal e a Grã-Bretanha, de iniciativa, como se disse, do Governo de Sua Majestade Britânica, foi enviado à nossa Secretaria de Estado no dia 26 de Novembro de 1948, acompanhando ofício do embaixador cessante, Sir Nigel Ronald. A grande nação acabava de celebrar acordos intelectuais semelhantes com a França e o Brasil e propunha-se concluir connosco uma convenção do mesmo tipo. Era um diploma de linhas clássicas, com um breve preâmbulo em que se definiam os objectivos das Alças Partes Contratantes («promover, mediante intercâmbio e cooperação amigáveis, o mais perfeito conhecimento e compreensão recíprocos das respectivas actividades intelectuais, artísticas o científicas, bem como dos seus modos de viver»), e um corpo de dezanove artigos, nos últimos dos quais se continham as disposições escatocolares habituais (ratificação, troca dos instrumentos, prazos). Remetido o projecto à Secretaria de Estado da Educação Nacional, foram pelo ifestações da vicia dos povos modernos», incluindo nos objectivos definidos no preâmbulo o mais perfeito conhecimento das «maneiras de viver» («ways of life) das duas nações, e considerando no artigo m o intercâmbio do «academic personnel» (professores, estudantes, investigadores científicos) extensivo n outras profissões e ocupações (other professions and occupations). A confusão do «cultural» com o «social» e com o «económico» repugna a esta espécie de acordos, de âmbito restrito aos interesses intelectuais. O alto organismo consultado chamou ainda a atenção do Governo para dois pontos a que atribuiu especial importância: não considerava necessária a nomeação de uma Comissão Mista (Mixed Commiter) para a execução do Acordo, porque essa função, por definição legal, pertencia no nosso país ao Instituto de Alta Cultura; reputava inconveniente a aplicação imediata da Convenção aos territórios ultramarinos das duas Potências contratantes, dispersos pelas cinco part es do Mundo (§ 2." e alíneas do artigo XVI do projecto inglês), porquanto, dado o desnível das civilizações e das culturas, não em por enquanto possível negociar acordos intelectuais de tão vasta extensão geopolítica. O Instituto fez acompanhar o seu relatório de um contraprojecto da Convenção remetido ao Governo em 17 de Janeiro de 1949.