O Sr. Pinto Barriga: - Pequenas acumulações de micracumuladores ... se me der licença para usar este neologismo o nosso ilustre colega Sr. Botelho Moniz.

O Orador: - Quer V. Ex.ª dizer que as acumulações são mais do que as apontadas no relatório?

O Sr. Pinto Barriga: - Sem dúvida, mas é diferente o meu pensamento; digo que as estatísticas formadas apenas sobre acumulações autorizadas pelo Conselho de Ministros mal interessam, por serem de pequena monta monetária. As grandes acumulações quase não figuram nas estatísticas, porque normalmente não carecem de autorização legal. Apenas podem ser discretamente apontadas em matéria fiscal, quando o forem...

O Orador: - Sc bem entendo, V. Ex.ª está de acordo comigo.

O Sr. Pinto Barriga: - Perfeitamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dito isto quanto às receitas, verifica-se que o ilustre relator demanda afanosamente o seu aumento, preconizando, com toda a razão, que o dinheiro se vá buscar onde abunda e não onde falta. Nós não queremos o aumento das contribuições, o que desejamos é a sua distribuição equitativa.

Quanto às despesas, o que sobretudo me interessa não são os motivos por que se poderia gastar menos, mas as razões por que se deveria gastar mais. E é lógico que assim seja, porque é preferível gastar bem a poupar mal.

A aplicação do capital em obras produtivas, em realizações de assistência, em dotações ou subsídios, na higiene, na previdência, no ataque ao desemprego, é sempre de reconhecer e de louvar.

No que respeita ao desemprego, Sr. Presidente, ninguém poderá pronunciar-se com mais autoridade do que V. Ex.a Basta ver esse estendal de pobreza envergonhada que se esgueira timidamente pêlos sumptuosos corredores deste edifício até ao seu gabinete, onde V. Ex.a o aguar da depois de encerrada a sessão.

Passam por lá mulheres e crianças de olhos tristes, macerados, com os seus velhos vestidos desbotados, restos, porventura, de antigas grandezas que tombaram na penúria. (Esperam a sua vez, melancolicamente, homens ainda robustos, embora já no crepúsculo da idade, quando já se duvida, muitas vezes erradamente, da sua rapacidade de trabalho. E V. Ex.ª a todos ouve e a todos conforta, mesmo quando não lhes pode acudir, vivendo e sofrendo a tragédia dessas almas esfrangalhadas.

V. Ex.ª pode realmente falar do desemprego com conhecimento de causa. E antes de si ninguém, que me conste, tomou a iniciativa desta penosa tarefa, que V. EX.ª voluntariamente se impôs, para honra e prestígio da Assembleia a que presido, como o mais destacado representante do Povo. Em nome de todos nós, bem haja, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - O ilustre Deputado dá-me licença?

É não só para agradecer muito as palavras de V. Ex.ª, mas dizer-lhe que me custa a perdoar-lhe que, por causa delas, se tenha desviado da ordem do dia...

O Orador: - E eu fico-lhe duplamente agradecido, Sr. Presidente, por me chamar à ordem e por me manifestar um reconhecimento que eu não mereço, porque não fiz mais do que dizer a verdade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E agora, meus senhores, entremos nos números, na monotonia, na aridez dos números:

Fazem-se apenas duas referências às despesas militares.

A falta de alinhamento numa conta diferenciada dos gastos efectuados com a defesa nacional não permite, aliás, a quem está fora dos segredos da contabilidade pública fazer um juízo seguro da política geral seguida e da forma como são prevenidas pelo Governo as necessidades doa diversos serviços ou as regras da proporcionalidade entre os três ramos da força armada, de harmonia com as responsabilidades a cada um deles atribuídas.

De tal circunstância podem resultar erros de apreciação a que creio nem sequer pôde escapar o ilustre relator das contas públicas e nosso prestante colega Sr. Deputado Araújo Correia, sobretudo no que respeita à despesa extraordinária e à sua distribuição pêlos três departamentos da força armada.

Pode, na realidade, deduzir-se do relatório presentemente em debate na Assembleia Nacional que durante o ano de 1953 a despesa extraordinária foi de 112 500 contos no Exército, de 7901 na Marinha e que não teve significação numérica na força aérea.

Foi-me, porém, dado averiguar que, precisamente para o mesmo ano de 1953, a despesa extraordinária prevista, no montante geral de 509 800 contos, distribui-se na razão de 120 000 pelo departamento central da Defesa Nacional, em que são atendidas necessidades de equipamento da indústria militar, da defesa civil do território e outras específicas das três forças para aumentos extraordinários! do seu pessoal; 212 000 contos para o Exército, 136 000 para a Marinha, dos quais só para a construção de navios novos se destinaram 75 000, e 91 200 contos para a Aeronáutica, dos quais só para infra-estruturas, que todos nós sabemos em Portugal terem nos últimos dois anos assumido um desenvolvimento nunca visto, orçaram por 47 600 contos.

Daqui se pode deduzir ou que a administração dos Ministérios militares se mostrou incapaz de gastar os créditos postos à sua disposição para satisfação de necessidades urgentes, por eles próprios afirmadas, ou então que o resultado das contas militares, tal qual se apresenta no relatório, não está certo.