Esses elementos vão ser enviados aos Srs. Deputados interessados.

Está ainda na Mesa a resposta do Ministério da Justiça em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga em 7 de Maio do corrente ano. Vai ser entregue àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - O ciclo das comemorações do nascimento de Mouzinho de Albuquerque encerrou-se antes da reabertura da Câmara. Mas nem por isso a Câmara quererá deixar de se associar às justas homenagens prestadas à sua memória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Mouzinho de Albuquerque pertenceu e foi certamente a figura mais expressiva daquela plêiade de construtores da nossa grandeza ultramarina que no final do século passado afirmou, no meio de certos aspectos depressivos da nossa vida colectiva, as qualidades viris e o génio heróico da raça. Mouzinho foi, sem dúvida, o que reuniu em mais alto grau essas qualidades; mas sem aquele conjunto de oficiais e de colonialistas quo colaboraram nessa epopeia da ocupação da nossa África, porventura, a sua gesta gloriosa ou não teria sido possível ou teria sido um gesto tocado da mais alta e nobre beleza, mas menos eficiente para os destinos positivos da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - A Câmara certamente se associa colorosamente às comemorações do centenário do Mouzinho, que no hagiológio da Pátria tem um lugar do mais alto relevo e a quem Deus terá perdoado as inevitáveis imperfeições terrenas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Havendo aqui dentro alguns ilustres oficiais, portadores das grandes virtudes militares das forças armadas portuguesas, quero dar-lhes oportunidade de se manifestarem e dou a palavra ao Sr. Coronel Ricardo Durão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

sem o eco devido e sem as reflexas naturais, numa Assembleia desta natureza, um acontecimento de tal projecção. Mas V. Exa. antecipou-se. Bem haja, Sr. Presidente.

Surge entretanto no jornal A Voz um artigo de vigorosa construção, a três páginas maciças, com a acreditada chancela do Dr. Águedo de Oliveira. Esse artigo, que poderia intitular-se «Da vida e da morte de Mouzinho», exacerbou o meu interesse sobretudo pela sua parte final, porque a primeira, que se refere à vida do herói, essa não tem discussão, não oferece dúvidas, nem suscita reservas.

Transcrevo textualmente a seguinte passagem: «A tese que vi por nos últimos dias, aliás com brilho cultural, de que o pessimismo conduziu Mouzinho para um gesto irresgatável não parece de admitir por inteiro».

Tem razão o nosso ilustre colega. Mas eu vou mais longe: não é só por inteiro; é que nem por diferença nem por excesso essa tese, a meu ver, se pode aceitar.

Toda a reserva que se ponha ao trágico fim do «capitão da mocidade» só contribuiria para lhe empanar a glória. Com isso não podemos concordar.

Mouzinho foi grande em tudo, até no supremo instante em que quase todos são pequenos. Mouzinho sacrificou-se em holocausto à honra, perante o dilema pungente em que tantos outros moralmente se liquidam ou miseràvelmente se apagam.

Na ética do soldado há casos em que a honra é incompatível com a vida.

O comandante que em plena batalha se afunda com o seu navio nessa trincheira gloriosa que as ondas abrem para os marinheiros é também um suicida. E se o não for, todavia? Que respondam a esta pergunta os meus camaradas da marinha de guerra.

O general Margueritte, que à frente dos seus cavaleiros, em Sedan, depois de a batalha perdida, se atirou contra as baionetas prussianas, bradando: «Soldats, à Ia mort, charger!», foi um suicida também. Não havia outra forma de salvar a honra da França. E esta era a honra do exército francês, a honra da sua farda.

Para Mouzinho o problema nacional era inseparável do conceito dinástico. A base das suas aspirações assentava no prestigio da coroa.

Por outro lado, o rei e o povo eram os dois pólos do seu pensamento.

D. Carlos possuía, de facto, pelo seu temperamento e pelo seu carácter, pelo seu espirito galhardo, portuguesismo castiço, simpatia irradiante e bondade imanente, requisitos natos para conquistar a estima do povo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas a sua apatia perante o descalabro económico, resultante de erros sucessivos da Administração, a sua frouxidão de epicurista e a sua bonomia tolerante...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... para o descalabro político, proveniente dum rotativismo estéril, reduziam-lhe a popularidade. Seria, pois, difícil conciliar os dois pólos.

Entretanto a maledicência, a intriga, a calúnia, duma maneira geral, a cobardia e a corrupção pululavam em torno de Mouzinho. Ele trazia de África uma folha de serviços ou, melhor, uma epopeia que o obrigava a reagir. Era o mais lídimo representante do Exército, o seu mais fulgurante ornamento, o seu mais incontestado caudilho. Podia ter desembainhado a espada -podia e devia-, porque o Exército é a última célula que morre no corpo da Nação, o último posto de escuta a sentir bater o coração da Pátria, e por isso lhe compete impor-se ao País, quando todos os outros organismos falecem. Além disso, Mouzinho recebia de todos os lados, de todos os partidos, solicitações tentadoras. Para um aventureiro sem escrúpulos estava aberta a estrada do triunfo. Mas para um soldado da sua têmpera a morte ó o único direito que se adquire ao nascer.