O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: tenho a consciência de que não está eivada de ressaibos de novidade a questão, importante e grave questão quanto a mim, para a qual solicito é superior patrocínio de V. Ex.ª, em termos do poder apresentar-se a considerarão, que bem merece, do Governo com o carácter impressivo e a força de persuasão de que, aliás, naturalmente e por si mesma se reveste.

O problema que agora verso já foi tratado nesta Assembleia Nacional, com proficiência e brilho, pelos ilustres Srs. Deputados D. Maria Leonor Correia Botelho, Mons. Santos Carreto e Drs. Elísio Pimenta e Agnelo do Rego.

Retomo, embora na diversificação de um ou outro aspecto, o fio de um assunto que foquei nesta Assembleia, pela primeira vez, numa das suas sessões do mês de Dezembro de 1946 e que depois fui desenvolvendo, modestamente, é certo, como objecto de subsequentes intervenções. O cinema e a juventude, o cinema e a criança - eis o problema, Sr. Presidente, em função do

A educação consiste em elevar a juventude, isto é, arrancá-la da sua ignorância, para que. cresça na verdade; da sua fraqueza, para que cresça na força; da sua dependência da matéria, para que cresça na liberdade do espírito; da sua escravização a todas as coisas, para que cresça na realeza sobre a criação.

Ouvi, Sr. Presidente, estas belas palavras e não mais as esqueci. E recordo ainda que o Sr. Dr. >Baltasar Rebelo de Sousa, que foi nosso colega muito estimado nesta Câmara, a todos se tendo imposto, conquistando simpatias e deixando saudades, ao tomar posse do alto cargo em que se encontra investido e onde vem assinalando uma posição de inequívoco realce exprimiu os seus anseios e o seu afã no combate pela valorização integral da juventude, porventura o objectivo mais alto da Revolução.

Pois bem, Sr. Presidente, pela formação do meu espírito, ante a irrecusável exigência das minhas preocupações, como português e como pai, na consciência das responsabilidades do meu mandato de Deputado, seguindo a esteira das minhas pessoais observações, impressionado, outrossim, pela leitura e meditação das reflexões que se contêm no pensamento dos mais valores morais, espirituais e intelectuais não só da nossa terra, mas do Mundo inteiro, no tocante ao caso particular da acção do cinema no quadro duma sã política de educação, sou igualmente sensível, Sr. Presidente, ao sincero apelo do ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional, feito em Agosto de 1955, para, que na desejada solução total desta causa magna da educação nacional, «varra cada um a sua testada e todos procuremos encontrar a fórmula que assegure o equilíbrio indispensável, porque nesta tão grande seara o único receio também é o de que os operários sejam poucos». Por mim não fujo, Sr. Presidente, a dar o concurso do meu modesto depoimento, a colaboração da minha humilde achega.

Conheço bem o conteúdo do Decreto-Lei n.º 38 964, publicado no Diário do Governo de 27 de Outubro de 1952 e entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1953, como diploma digno, sem dúvida, dos maiores aplausos, regulador da assistência dos menores aos espectáculos públicos.

Nele se deu nova constituição à Comissão de Censura aos Espectáculos e por ele se criou a Comissão de Literatura e Espectáculos para M enores, definindo-se as suas delicadas atribuições.

O citado decreto foi recebido com justificado alvoroço de satisfação, não lhe sendo regateados, em boa consciência, francos louvores, tanto mais que nele se concretizava uma velha e ansiosa aspiração desta Câmara, corporizada em torno da regulamentação da célebre Lei n.º 1974, do ano de 1939.

Se, mesmo encarando o cinema como espectáculo público, independentemente da idade e da condição dos seus frequentadores, é lícito lançar um apelo veemente aos produtores e distribuidores de filmes no sentido de que se votem à criação e disseminação do bom cinema, do verdadeiro cinema, do são cinema: se é intuitivo, como se diz, ser o cinema uma força, e força que não é razoável desconhecer, então é da mesma sorte fundamentado o direito que nos assiste de exigir que sirva com dignidade e isenção, como já vi lupidarmente sublinhado, um ideal superior de vida.

Recorro, Sr. Presidente, ao que escreveu o aparo apurado de ver dade da distinta pena do grande homem de letras e extraordinário poeta que é Jose Régio, caindo justamente as suas autorizadas palavras como ferro em brasa sobre o deplorável rumo do certo cinema industrial.

Diz o eminente crítico:

Que se vê geralmente no cinema? O crime, a exibição da amoralidade, o adultério, a fraude, a força dos instintos, a paixão desencadeada, a brutalidade da luta do homem com o homem. É raro que nos mostre haver no homem, além da sua força física, da sua cupidez e das suas energias primárias e vulgares, também algum domínio sobre os ímpetos do seu egoísmo, também o resplandecer das forças espirituais, intelectuais e morais que, por vezes, o impelem a quase transcender-se.

Proclamando que a grande sugestão do cinema vem do exemplo, não esbate as cores sombrias do quadro que tão realisticamente compõe e com verdade nos apresenta, e formula a pergunta, a que dá resposta dolorosa - dolorosa porque, infelizmente, certa:

Que exemplos, em geral, nos oferece o cinema? Na maioria dos casos, maus exemplos. Isto é: exemplos de triunfo da violência ou da abusiva audácia; da inquietação e amoralidades contemporâneas; da intensidade das paixões, libertas de quaisquer princípios morais ou religiosos; da frivolidade petulante, confundida com elegância ou originalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E digo eu, Sr. Presidente, que pode pôr-se o problema, que não é só de hoje: devem os filmes esconder o mal, mascarar a realidade da vida, compor a natureza? Afigura-se-me que não.