E o sensato parecer da Câmara Corporativa conclui que, embora com reserva quanto ao prazo post mortem, o artigo é de aceitar, pois não devemos esquecer que «muitos países onde as obras portuguesas e as de outras nações não gozavam de qualquer protecção virão agora a protegê-las, embora nem sempre em condições satisfatórias».

Acrescentarei que neste ponto devemos ter presente que a grande maioria das nações europeias é signatária da Convenção de Berna e seus anexos; que o são vários Estados de outros continentes, incluindo o Brasil, e que entre as nações signatárias daquele convénio esta matéria é regulada pelo que estabelece o seu artigo 7.°

Para abreviar, e porque provavelmente outros Srs. Deputados irão ocupar-se do assunto, referir-me-ei muito sucintamente a outro problema, não menos grave do que o anterior. Queiram atentar no que dispõe o artigo V. É o caso do direito de tradução: «um dos mais difíceis e delicados -acentua o citado relatório - que a Conferência tinha de resolver».

Ao cabo de sete anos, a contar da primeira publicação da obra escrita, qualquer pessoa pertencente a um dos Estados contratantes poderá, em determinadas circunstâncias, obter licença, independentemente da vontade do autor, para publicar a tradução.

Manifestaram-se logo duas correntes: a dos que entendiam que o autor deveria ter o direito exclusivo de autorizar a tradução das suas obras durante todo o período de protecção do direito de autor e a dos que «opinavam que esse direito deveria ser limitado a um prazo restrito». Do lado dos sequazes da primeira corrente - assinala o parecer - alinhou a delegação portuguesa, «que defendeu em termos eloquentes e de grande convicção a tese do respeito do direito exclusivo do autor a fazer ou a autorizar a tradução da sua obra».

Depois de várias e arrastadas considerações e divergências, que levaram os delegados nipónicos a declarar-se impossibilitados de assinar a Convenção, foi o artigo V aprovado nos termos que dela constam. Obtida a licença nas condições prescritas na lei, a tradução poderá fazer-se, competindo a legislação nacional adoptar medidas que assegurem ao titular do direito uma remuneração equitativa, assim como a garantiu de que se procederá a uma tradução correcta (n.° 2 do referido artigo V).

«Remuneração equitativa» e «tradução correcta» são expressões muito vagas, que mal salvaguardam os interesses materiais e morais do autor da obra. Assinalemos que a Convenção é lamentavelmente omissa no que respeita ao chamado «direito moral» dos autores.

É certo que cada Estado contratante ao qual o autor pertença poderá decretar providências que defendam os interesses deste perante o tradutor. Mas até que ponto poderão ir essas providências e até que ponto é permitida a intervenção do autor são problemas que permanecem confusos.

A delegação portuguesa, apesar da sua vibrante intervenção, nada pôde obter. E eu perfilho inteiramente as considerações finais do parecer da Câmara Corporativa sobre esta matéria.

Diz ele:

Prevaleceu neste ponto o que poderá chamar-se o espírito americano, menos individualista e menos propenso a respeitar direitos sagrados do trabalhador intelectual quando perante eles se levantam os interesses das massas. Foi esta realidade, certamente, que sentiram muitos dos países representados na Conferência, reconhecendo a impossibilidade de deter a onda que avançava.

E conclui:

Reconheceu, sem dúvida, o Governo (português) que as vantagens gerais da Convenção mereciam este pesado sacrifício.

Como já acentuámos, uma das vantagens desta é a criação da comissão intergovernamental, cuja constituição, atribuições e funcionamento são regulados pêlos artigos XI e XII e ainda pela Resolução anexa que encerra o documento.

No artigo XI se determina que à referida comissão compete: «preparar as revisões periódicas da mesma Convenção» [alínea b)].

Estas as breves considerações que se me oferece formular sobre os problemas mais instantes abrangidos pela Convenção Universal de Genebra.

A Comissão de Educação, da qual tenho a honra de fazer parte, entende que a Convenção, apesar das deficiências que deixo apontadas, deve ser ratificada.

Termino, Sr. Presidente, formulando o voto de que ao Governo Português caiba a honrosa missão de intervir junto da comissão intergovernamental, ou até no seio dela -visto que tal posto lhe pode caber- , no sentido de se modificarem as anomalias que o actual texto da Convenção apresenta e de conseguir a perfeita salvaguarda dos princípios que devem nortear a ética e o direito da propriedade intelectual.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, em nome da Comissão de Negócios Estrangeiros, o Sr. Deputado João Ameal.

U Sr. João Ameal: -Sr. Presidenta: antes de falar desta tribuna, sob a presidência de V. Ex.ª -o que me acontece pela primeira vez-, não quero deixar de aproveitar o ensejo para manifestar-lhe o meu grande apreço pelas suas excepcionais qualidades de inteligência e de carácter e pela sua notável acção de estadista e de dirigente político. Por tudo isto aqui apresento a V. Ex.ª as minhas sinceras homenagens.

Perante a Convenção Universal sobre o Direito de Autor, assinada em Genebra em 1952 e agora presente a esta Assembleia para fins de ratificação, a reacção normal a experimentar, segundo creio, é o aplauso devido a uma iniciativa que tem por objecto proteger e defender, com alguma eficácia e em maior número de países, os valores do espírito.

Uma vez mais nos cumpre afirmar sem reticências o primado de tais valores - num mundo agitado e incerto como este em que nos encontramos. Gradualmente, no longo dos últimos dois séculos e, em especial, ao longo das primeiras