e à preocupação da hierarquia e de justiça social patente em tantos dos nossos diplomas, nomeadamente o Estatuto do Trabalho Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Ela tem ainda o grave inconveniente do dificultar uma boa selecção. Perdidas as esperanças de que o problema seja revisto, decerto só concorrerão a estes cargos os ingénuos ou os vencidos de outras carreiras. Os nossos arquivos e as nossas bibliotecas não se devem transformar em asilos de incapazes.

Não resta a estes funcionários a compensação de um acesso fácil. Os quadros são limitadíssimos e o facto de os funcionários estarem espalhados por todos os Ministérios dificulta ainda mais as promoções.

Mas, mesmo para aqueles que, penosamente, conseguem subir, o horizonte continua muito estreito: segundos-bibliotecários, hoje, com todas as actualizações, 2.400$; primeiros-bibliotecários, 3.000$.

A carreira mantém-se sempre equiparada à carreira dos funcionários, para que não é preciso mais do que o 2.° ciclo dos liceus (segundos e primeiros-oficiais). Para tornar esta situação mais aberrativa acresce que na Biblioteca Nacional -e não sei se em mais alguma parte- os primeiros-bibliotecários têm funções de chefia de divisão, sem que por isso recebam qualquer compensação.

Pelo critério do que é preciso poupar o máximo com os serviços das bibliotecas, arranjou-se aqui uma categoria de funcionários que julgo não existir em qualquer outra parte e que o Decreto-Lei n.° 26115 parece desconhecer: auxiliares de serviços gerais, auxiliares de fiel e auxiliares de secretaria, com o ordenado de 400$ e 500$, hoje actualizados para 800$ e 1.000$. Sobre os ombros destes vários auxiliares, a que se negou a modestíssima situação de fiel e do primeiros e segundos-escriturários, para a maior parte dos serviços técnicos da Biblioteca Nacional.

Atendem o público, fazem o controle do depósito legal, registam as publicações periódicas, executam trabalho de dactilografia, copiam manuscritos e fazem o trabalho de catalogação, que tem numerosas dificuldades, pois na Biblioteca Nacional, por estranho que pareça, não há o cargo de catalogador.

Temos assim o espectáculo, ao mesmo tempo pitoresco e desolador, de o depósito legal, a cópia de manuscritos e a função de catalogar estarem na nossa primeira biblioteca a cargo de pessoas a quem se paga o mesmo que aos serventes, às criadas, aos tratadores de gado. Para cúmulo, embora a leitura seja presidida por um conservador, o policiamento da respectiva sala, que implica alguma coisa mais que evitar que os leitores levem os livros para casa, é feito por pessoas a quem se deu a categoria de auxiliares de limpeza, cora 300$ (hoje 600$) por mês. Nem ao menos contínuos; nem ao menos serventes! Auxiliares de limpeza! Os leitores podem precisar de esclarecimentos, mas certamente não precisam que os limpem na sola de leitura da Biblioteca. Isto chegava a ser divertido, se não fosse dramático.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Devido à má organização e pequenez dos quadros, apesar da estóica boa vontade mantida até hoje pelos funcionários e da competência das pessoas que têm dirigido as nossas principais bibliotecas, os serviços não podem deixar de se apresentar muito deficientes, por vezes mesmo num estado deplorável.

Para V. Ex.as fazerem uma ideia de todo este drama lembro que o catálogo da Biblioteca Nacional - isto é, a secção onde se requisitam os livros - está apenas entregue aos desventurados auxiliares de fiel.

Devo dizer, em abono da verdade, que estes funcionários humildes são muito solícitos para com o público, cheios de paciência e vontade de acertar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-E alguns muito experimentados na procura dos verbetes. Merecem bem uma melhoria de situação. Simplesmente a função do catálogo não podo ficar limitada à procura do livro pedido pelo leitor. Em toda a parte do Mundo, por trás dos buscadores de verbetes, estão pessoas cultas e experientes, capazes do elucidar o público, auxiliar os investigadores nas suas pesquisas e registar as necessidades mais urgentes de livros, para orientar a biblioteca na própria aquisição das espécies.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Através do catálogo pode-se mesmo exercer uma forte acção pedagógica. Recordo que, há anos, um moço director de uma das nossas grandes bibliotecas da província verificou, ao tomar conta do seu cargo, que o livro mais pedido nessa biblioteca era Os Crimes do Lampião.

Por lhe parecer tal leitura contrária à função educativa da biblioteca, proibiu que os livros dessa natureza fossem dados ao público sem uma autorização especial, e imediatamente organizou, para substituir essas leituras, uma colecção de livros tónicos, sem ranços moralistas, mas cheios de heroísmos, de curiosidades o de acção, como convém aos rapazes na fase da puberdade.

Podem estabelecer se através de regulamentos c de ordens de serviço princípios de defesa cultural, mas a aplicação destes princípios aos casos concretos só pode ser feita por pessoas altamente cultas, com uma larga e nobre compreensão da vida. Os actuais funcionários do catálogo só por si não têm competência para a fazer.

Por falta de roteiros, de catálogos impressos e de bibliografias acessíveis ao público, a investigação das nossas bibliotecas e arquivos obriga a grandes perdas de tempo. Esta falta de organização -reflexo da falta de pessoal técnico- permite que entre nós alcancem fama de sábios os simples rebuscadores de papéis nos arquivos públicos. Já em 1944 -há doze anos!- o Deputado Rodrigues Cavalheiro denunciou, em palavras repassadas de bom senso, o perigo que estas confusões podem trazer à nossa escala de valores:

com perigo evidente da formação mental dos estudantes que frequentam as cadeiras de História.