E suponho que neste capítulo ainda não se caminhou com suficiente desenvoltura.

A análise das Contas Gerais do Estado referentes ao exercício de 1954, como aliás a das contas anteriormente apresentadas, revela com suficiente nitidez a justeza da observarão que acabo de apontar.

Com ela não se menospreza o muito, o muitíssimo que se tem feito, nem se regateiam elogios à grandeza da obra já realizada, fonte de orgulho para nós e de admiração para estranhos e pela qual ao Governo só louvores são devidos.

A verdade, porém, é que o nível de vida da gente portuguesa é ainda infelizmente muito baixo e que é preciso e possível elevá-lo consideràvelmente.

Ora esta elevação terá de resultar de um aumento de produção, absolutamente essencial ao progresso do País, que só pode advir de um acréscimo do poder de compra das populações numerosas e mais atrasadas, que são na sua grande maioria as populações da província, conforme se infere dos dados colhidos no último cens o (parecer, fl. 2).

E a este respeito parece-me que a acção governativa tem sido de escassa eficiência quanto a promover a utilização dos melhores métodos de produção e aproveitamento dos recursos naturais de cada região, sem os quais não é possível conseguir-se o desejado aumento do produto nacional.

Enquanto isso se não fizer continuará o País a debater-se nas agruras implacáveis deste círculo vicioso: não poder consumir por não poder produzir e não poder produzir por não poder consumir.

E continuaremos a assistir, sem os poder combater, ao gigantismo dos desmesurados crescimentos urbanos, ao êxodo das populações mais atrasadas, que buscam condições de vida mais aceitáveis, tanto no interior como no estrangeiro.

Vozes: - Muito bem!

por exemplo, é um dos indicadores desta afirmação.

A construção de prédios atingiu o seu máximo em 953 e 1954.

Enquanto na província o número de pavimentos construídos e a área coberta pouco aumentaram na relatividade da população, só em Lisboa atingiu mais de mil em 1953.

«Esta supremacia da capital sobre o resto do País, do que toca à utilização de investimentos, é um dos graves problemas nacionais e parece que ninguém o deseja ver» - lê-se no referido parecer. Só o distrito de Lisboa paga mais contribuição predial urbana que o resto do País (50,4 por cento), seguida pelo Porto (16,5 por cento) e em escala mais baixa pelos de Viseu e Setúbal (3,9 e 3,7 por cento, respectivamente) (fl. 41).

As percentagens do rendimento colectável urbano dos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, em relação ao total do rendimento colectável, são respectivamente, de 93,7, 85,6 e 55,4 - as mais altas do continente (fl. 40).

São poucos e pequenos, em volume, os centros industriais do País, tirando as zonas de Lisboa, Porto e Setúbal.

Num total de 758 528 contos de contribuição industrial no continente, os três distritos referidos pagam à sua parte 537 395 contos, ou seja 73 por cento.

Se não houvesse outros índices a mostrar a contínua concentração dos comércios e indústrias nos três distritos, com revelância para os de Lisboa e Porto, estes números constituiriam uma segura indicação do fenómeno, porque indicam um grande desequilíbrio social na vida do País (fl. 97).

No que diz respeito aos rendimentos de pessoas singulares e de pessoas colectivas, 60 por cento desses rendimentos «encontram-se em Lisboa, o que nos mostra a tremenda concentração de rendimentos», lê-se no parecer a fl. 58, que mais adiante afirma: «Nalguns distritos, como nos de Bragança, Guarda, Vila Real e Viana do Castelo, os rendimentos colectáveis ... não atingem 20 000 contos».

No de Lisboa esse rendimento é de 1 664 036 contos; no do Porto 600 000 contos; no de Braga 125 60O contos, e no de Setúbal, vizinho de Lisboa, 92 000 contos.

E acrescenta o parecer:

«Estes números, em gradual aumento, traduzem um fenómeno sério, que necessita de ser vigiado» (fl. 59).

Por isso, Sr. Presidente, a propósito da localização da indústria siderúrgica no País, já afirmei, com plena convicção, tendo em conta a experiência alheia e a nítida gravidade deste fenómeno social português, que «a tendência moderna, universalmente dominante, visa a disseminação da indústria, em ordem a evitar a sua concentração, de maneira a ajustar as condições de vida das populações geogràficamente menos favorecidas, procurando nivelá-las com as mais beneficiadas, por forma a evitar o êxodo das populações rurais e a conjurar os perigos das grandes aglomerações operárias, sempre insatisfeitas».

O Sr. Pinho Brandão: - O Governo já tomou posição na localização da indústria siderúrgica, resolvendo que a mesma fosse localizada no Norte do País, conforme notícias vindas na imprensa diária.

O Orador: - Estou a referir-me à pretensão da siderurgia nacional - àquilo que ela pretende, e não àquilo que se fará.

O Governo efectivamente tomou posição, mas apenas em relação à primeira fase, cuja localização será no Norte, ou, melhor dizendo, no Nordeste, isto é, em Trás-os-Montes, ao que parece.

Este pensamento, que na altura não pude desenvolver com suficiente largueza, dada a estreiteza do tempo de que dispunha, permito-me agora esclarecê-lo um pouco mais, aproveitando a oportunidade da discussão das Contas Gerais do Estado.

Sr. Presidente: que os países fortemente industrializados, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e a Alemanha, se preocupam com os males que advêm da concentração industrial, dados os seus inconvenientes, sob os pontos de vista da segurança nacional, da segurança social e da defesa sanitária, não se poupando