cursos ocasionalmente realizados por iniciativa do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência 1, ainda não foi dado até hoje qualquer passo sério para transitar da palavra à acção, encarando em plano de conjunto a tarefa da formação de dirigentes e da criação e uma verdadeira mentalidade corporativa, cuja urgência tão insistentemente se apregoou nos últimos anos.

A isso vem a presente proposta de lei, cuja necessidade fica assim sobejamente demonstrada.

Oportunidade da proposta

não faria realmente sentido que se desse um passo de tanta importância para a estruturação do nosso sistema corporativo, como é o da criação das primeiras corporações, sem se empreender a tarefa de doutrinação há tanto tempo reclamada. Com razão se diz no relatório da proposta que «doutra sorte correr-se-ia o risco de vir a ter-se, porventura, uma construção corporativa integral e quanto possível perfeita, mas privada de alma, vazia de sentido e sem projecção».

Esta «alma», esta «projecção» e este «sentido» só poderão tê-los as corporações se forem apoiadas por uma crescente consciência corporativa e se forem servidas por dirigentes bem doutrinados e tecnicamente preparados para dar aos problemas as soluções que devem ter. Insistiremos nesta última nota, por virtude da especial importância de que ela se reveste para que as

dirigentes sindicais, que teve larga frequência e proveitosos resultados.

2 Cf. a conferência Uma Escola Corporativa Portuguesa, Lisboa, 1949, p. 16, corporações venham a ser o que se pretende que elas sejam.

A proposta de lei do Governo que institui as corporações vem acompanhada dum valioso relatório onde se apontam, com particular vivacidade, as razões que levam o Governo a desejar que elas sejam juridicamente autónomas. Aí se diz (n.º 20) que, ao atribuir às corporações a qualidade de pessoas colectivas de direito público, pretende reafirmar-se «o princípio sempre proclamado da natureza associativa do sistema corporativo português» e pretende-se, sobretudo, que essas corporações, juridicamente autónomas, como «representantes legítimas e naturais das actividades que integram, harmonizem as divergências dos interesses e se apresentem perante o Estudo como a imagem rica do País, na sua economia e na sua vida intelectual e moral».

Ora é evidente que, para tudo isto não ser letra morta - mantendo-se um corporativismo sempre proclamado de natureza associativa e sempre praticado como corporativismo de Estado -, é necessário que as corporações sejam servidas por dirigentes bem adestrados, com perfeita consciência da sua missão e com os conhecimentos técnicos indispensáveis para neles se poder depositar confiança.

Perante dirigentes improvisados, sem clara noção dos seus deveres, sem cultura adequada, sem espírito corporativo bem formado, a tutela do Estado surge sempre como inevitável, pois maior mal seria deixar a organização entregue a ineptos. E entra-se então num círculo vicioso: o Estado proclama a necessidade dum certo grau de consciência corporativa para que os vários organismos fiquem entregues a si próprios e sejam verdadeira expressão dum corporativismo autónomo; como esse grau não existe, sente-se autorizado a exercer a sua tutela sobre esses organismos; e exercendo esta tutela automaticamente impede que se desenvolva aquela consciência corporativa que há-de justificar a sua progressiva autonomização.

A única maneira de quebrar este círculo vicioso é a da preparação de dirigentes qualificados, que possam merecer a confiança bastante, quer dos dirigidos, quer do próprio Estado. Só nesse momento a consciência corporativa poderá progredir como é necessário; e só nesse momento o Estado poderá efectivamente aliviar a pressão da sua tutela sobre os organismos corporativos, permitindo que estes sejam, não apenas nominalmente, mas de facto, a expressão dum corporativismo autónomo. A oportunidade da proposta, portanto, afigura-se indiscutível. O único comentário que a esse propósito poderia ainda fazer-se - depois de tudo quanto já deixámos dito - é o mesmo que um dia Salazar fez, em idênticas circunstâncias: «Isto não pode merecer outra crítica que não seja a de se não ter feito mais cedo»1.

Devia, na verdade, ter-se feito mais cedo. Certo é que nunca faltaram esforços, boas vontades e realizações concretas no sentido da criação duma mentalidade corporativa e da formação dum escol directivo, podendo pois dizer-se que, na medida do possível, sempre se procurou dar execução ao pensamento que hoje inspira esta proposta de lei. Simplesmente, é este um dos casos em que não podemos ficar-nos na «medida do possível». A doutrinação e a reforma da mentalidade, como todas as tarefas que exigem fé, entusiasmo e dinamismo, têm de tomar como padrão «a medida do

1 Cf. Discursos, vol. III, 1938-1943, p. 367, e Antologia, p. 193.