abranger com a vista e lhe fornecem uma expressão nítida, real, perceptível.

É que a ordem da Natureza prescreve uma sucessão de instituições para se chegar do indivíduo ao Estado. Sendo o homem um ser eminentemente social, já pelo seu instinto de animal gregário, já pelo fatalismo da sua condição humana, traz dentro de si a vocação para se unir aos seus semelhantes e, assim, forma com eles os mais variados grupos, consoante os múltiplos fins que subordinam a vida humana.

Daí que o agregado social, logo que atinge certo desenvolvimento, se apresente compartimentado em sociedades menores, vivendo na órbita de uma sociedade maior, que exprime a sua unidade política. Daí que o corporativismo, ao respeitar uma estrutural inclinação associativa, e ao aproveitá-la como princípio motor do mecanismo social, proponha um sistema de organização que está plenamente de acordo com a ordem da Natureza e que assenta na realidade concreta. Note-se que o corporativismo não se contenta com favorecer a criação dessas instituições em que o homem se integra. Procura aperfeiçoar o seu relacionamento e coordenação, articulando-as entre si e em planos sucessivos, de molde a promover a conciliação dos vários interesses, trabalhando para um conjunto harmónico donde possa brotar a consciência do bem comum. E, além disso, agora como remate lógico dos pressupostos de que parte, o corporativismo procura extrair do fenómeno institucional todo o seu rendimento útil: confere às instituições corporativas poderes de gestão dos seus interesses próprios e dá-lhes representação adequada na orgânica superior e política do Estado.

Este um dos seus maiores méritos. Não só porque descarrega o Estado macrocéfalo de um grande número de encargos que os interessados deverão estar em melhores condições de suportar - conhecendo e vivendo os problemas específicos das suas actividades - como também porque, ao considerar as instituições corporativas elementos reais e vivos do meio social, tira do facto as suas consequências lógicas e naturais, atribuindo-lhes o poder normativo e o carácter público, ouvindo e acatando a sua voz no plano supremo da estrutura constitucional do Estado.

Estas as linhas mestras do corporativismo; esta a ossatura do sistema corporativo. Mas o que mais importa, segundo a linha de pensamento antes definida, é acentuar firmemente o carácter autónomo da solução corporativa e concluir, portanto, pela existência de três sistemas puros de organização social: o sistema individualista, o sistema socialista e o sistema corporativo.

Retardamento na aplicação pratica do sistema corporativo Causará, todavia, surpresa o facto - estranho, pelo menos, à primeira vista- de existir um terceiro sistema de organização, adaptável ao condicionalismo próprio da época e com raízes nascidas no terreno natural do homem e da sociedade, sem que os povos angustiosos e vacilantes deitem mão dele como tentativa de salvação.

A primeira razão, e a maior de todas, é que, em matéria social, as grandes transformações de estrutura só se operam com arrastada lentidão. Vencem com extrema dificuldade as resistências continuamente opostas pelas velhas estruturas, pelos conceitos geralmente aceites e os hábitos consolidados, pelas instituições profundamente enraizadas e os fortes interesses humanos que dentro delas se criaram. Não se esqueça que já na primeira metade do século XVIII Vincent de Gournay desfraldava a bandeira do laissez faire, laissez passer, para só em pleno século XIX a nova doutrina se generalizar. E sabe-se também que Engels e Marx escreveram o famoso «Manifesto Comunista» em 1847 e só no primeiro quartel do século XX, com a grande guerra de 1914-1918, o comunismo se implantou na Rússia. Isto para citar apenas dois casos frisantes nos domínios que nos têm ocupado do liberalismo e do socialismo.

12. Mas, além do longo processamento histórico das modificações estruturais, ainda há, quanto ao corporativismo, outras razões do seu atraso como sistema aplicado, estas agora de carácter específico.

Antes de tudo, é preciso considerar que o regime corporativo foi o precedente cronologicamente imediato do liberalismo. Se este eclodiu com a revolução de 1789, aquele pode dizer-se que também veio a desaparecer nessa grande viragem do Mundo, após ter florescido na baixa Idade Média (séculos XIII a XVI) - onde as «corporações de artes e ofícios» atingiram o apogeu - e depois de ter atravessado já em declive todo o período da Idade Moderna. Feitas as contas, à escala da civilização ocidental e a partir do período medievo, são quase seis séculos de tipo institucional e corporativo, contra menos de dois de liberalismo, e cerca de meio século de tendência socialista.

Não se pode dizer, pois, que o juízo da história, reportado aos nossos dias e na sua expressão quantitativa, apresente um saldo desfavorável ao corporativismo. Mas exactamente porque ainda não passaram duzentos anos sobre a supressão das primeiras corporações em França (Leis Dallarde e Le Chapelier, de 1791), e ape-