De resto, o facto de ambos terem ao mesmo tempo visto a luz da publicidade leva-nos a pensar que por parte do Governo terá havido a ideia de significar essa associação de propósitos a que aludi.

E, em meu entender, com razão.

E porquê?

Porque, se quisermos fazer um exame objectivo das coisas que se mostram ao nosso redor, parece-me que, neste momento, em que se procura realizar a estruturação e acertar a convergência dos vários factores que integram ou influem a linha moral, económica e social desta ou daquela actividade, importará primeiro saber se os espíritos, sobretudo os espíritos das massas que pretendam adaptar-se voluntàriamente aos novos rumos, estarão devidamente preparados para o desempenho dessa tarefa, com uma extensão e um apuro que traduzam resultados harmónicos com a formulação o sistema.

Isto é primordial, tanto mais que o nosso corporativismo, como é sabido, assenta em bases de associação, o que quer dizer que os interesses a representar se autodeterminam pelo somatório de vontades que se quiserem englobar no respectivo sector diferenciado, em plena liberdade de selecção ou de escolha de soluções, as quais terão apenas como limite as exigências do bem comum e do equilíbrio e da paz social.

Ora, este limite deve ser naturalmente encontrado e, por conseguinte, aplicado pelos próprios componentes da instituição. Para tanto têm estes de possuir formação, índole ou mentalidade, como queiram chamar, para, por eles e só por eles, quando possível, agirem de acordo, não só com os fins imediatos ou técnicos da respectiva actividade, mas ainda com aqueles outros objectivos mediatos ou gerais em que repousam as conveniências da comunidade nacional.

Se o não fizerem, bem o sabemos, exercer-se-á a censura ou o veto do supremo mantenedor das condições que asseguram esse equilíbrio. Mas, em tese, este actuará, então, desgostoso e contrariado, porque legitimamente esperaria que as soluções já lhe aparecessem saneadas de endo em consideração o que é a pobre natureza humana, poderemos dizer que nunca os homens se poderão considerar definitivamente adestrados para a realização integral dos objectivos do sistema corporativo português, pois este, incessantemente, espera sempre mais, progressivamente mais, da conduta moral e social dos indivíduos, em ordem à revelação de melhores aperfeiçoamentos de alma !

Mas, encarada por outro lado a pergunta que deixamos formulada, não nos poderemos esquecer de que nestes vinte e tal anos andados, em que, a pouco e pouco, se lançaram caboucos através dos organismos primários, de tudo se cuidou exaustivamente, não há dúvida, menos de apresentar ao critério do País ensinamentos ordenados, constantes e permeáveis do que fosse, de ponta a ponta, a teoria corporativa portuguesa, os métodos que perfilhava, os fins que tinha em vista, o significado correctivo que apresenta tanto ao exclusivismo individualista como à absorção das concepções totalitárias.

Não houve, talvez, tempo.

Mas o pior, a meu ver, para a pureza e progresso de conhecimento dos verdadeiros princípios não esteve nessa, atitude de passividade doutrinária.

Algo se passou que talvez mereça ser considerado.

Todos sabemos que as grandes massas populacionais dum determinado agregado político não se entregam às investigações e ao estudo de problemas de administração social. Admitem ser administradas e rejubilam se o são bem. Convencem-se do êxito desta ou daquela concepção teórica, mais pelos resultados práticos, mais pelas repercussões do seu exercício, no plano das suas próprias relações, do que por qualquer outra circunstância.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, chegámos àquele pior, antecedentemente aludido.

A organização corporativa, tal como existia, digamos, em estado incipiente, no tempo da última guerra, foi desviada do respectivo perfil. A lei das guerras não a poupou. Foi mobilizada para outras necessidades.

Bem sabemos que dessa degenerada afectação bens inestimáveis advieram para a Nação no plano da ordem geral. Veja-se, por exemplo, como se actuou e como se colheram resultados no domínio do comércio externo. Mas só em clima de crise poderemos procurar tais explicações. Em tempo normal, até as leis de excepção, promulgadas para situações esporádicas, caducam pelo desuso.

E que nos ficou então para a desejada doutrinação progressiva, para a desejada e completa elucidação das gentes a respeito do nosso sistema corporativo?

Em lugar de se ter aprendido alguma coisa -permitam-me a expressão-, desaprendeu-se ... aquela primeira assimilação da teoria apregoada, porque, por um lado, desde os desvios aos conceitos puros até à excessiva regulamentação, cheia de constantes peias, desde as limitações intervencionistas, muitas vezes exageradas pelo mau cariz de impreparado funcionalismo, até certos abusos de paternalismo estadual, tudo contribuiu para que, em certos domínios, se cavasse uma indiferença moral para com a organização, que se tinha por corporativa (pois que assim era chamada), mas que no exercício revelado era a antítese daquela que os conceitos preconizavam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nesse gerado clima de desinteresse e de indiferença mais uma vez pagou o justo pelo pecador ! E que se tomou a nuvem por Juno! ...

Daqui resulta, Sr. Presidente, que a proposta de lei sobre o Plano de Formação Social e Corporativa é necessária. E quanto à sua oportunidade, que nas circunstâncias actuais é flagrante, pena foi que este plano mais cedo não se tivesse posto em prática. Mas isso não é de estranhar.

Como disse o ilustre estadista e primeiro portador da chama corporativa em Portugal, o embaixador Teotónio