Mas também não esqueço que tudo isto ou desfigura o sistema propugnado pela Câmara Corporativa de modo a torná-lo irreconhecível ou conduz a uma interpretação do órgão que coroa o sistema, interpretação que parece de todo inaceitável.

Este órgão deve ser, conforme o parecer, a Câmara Corporativa. Esta será o órgão coordenador das corporações e, portanto, o árbitro dos conflitos que entre estas se suscitarem. E não só destes, mas dos que se suscitarem entre os interesses representados pelas corporações e o interesse geral. A Câmara Corporativa deverá, pois, ter, para além dos de mera consulta, poderes de decisão. Poderes de decisão para resolver os conflitos dos interesses representados pelas corporações e ainda os conflitos entre estes e o interesse geral. A secção da Câmara Corporativa dotada desta competência será constituída pelos representantes nela das corporações.

Desprendo-me da questão - gravíssima questão - de saber se os representantes de interess es particulares ou de sector são qualificados para definir o interesse geral e para sacrificar a este os interesses que representam.

Se não erro na interpretação que faço do parecer, teremos assim uma Câmara Corporativa que rouba à soberania do Estado as actividades organizadas corporativamente para as regular com plena autonomia ou que é ela mesma um órgão da soberania do Estado.

No primeiro caso teremos o Estado em face da corporação tal qual o Estado demo-liberal em face dos indivíduos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -- No segundo teremos puro corporativismo de Estado. Parece que a Câmara Corporativa opta pelo primeiro. Por mim, não sei qual dos dois representaria maior mal e, por isso, não tenho receio de que venha a resvalar-se para o segundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acode-me, porém, à lembrança a Câmara dos Fáscios e das Corporações, a que poderia, entre nós, corresponder, seguindo a sugestão do que se estabelece no artigo 102.º da Constituição mais a linha do parecer, a Câmara das Autarquias Locais, dos Interesses de Ordem Administrativa e das Corporações ... Sacrificar-se-ia a Assembleia Nacional? Na Itália também se não sacrificou o Senado ...

Vê-se no artigo 102.º da Constituição:

Leu.

O Orador: - Por isso digo: assim como na Itália se foi conduzido à Câmara dos Fáscios e das Corporações, aqui, adoptando a sugestão daquela disposição, poder-se-ia ser conduzido u Câmara das Autarquias Locais, dos Interesses de Ordem Administrativa e das Corporações.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

constitucional que actualizasse certos princípios, sobretudo neste aspecto corporativo, de modo que permitisse caminhar sem os tropeços que damos, derivados das disposições constitucionais vigentes? Não seria preferível criar condições para um desenvolvimento do tal Estado corporativo que V. Ex.ª definiu e muito bem? Não seria a forma melhor para nos desenvolvermos agora na parte subsequente? Não seria melhor que se tivesse pensado numa revisão constitucional para depois se estabelecer então a verdadeira orgânica corporativa no sentido das aspirações e tradições nacionais?

O Orador: - Não estava a discutir esse ponto.

Invoquei há pouco a Constituição só para dizer que quem falava em corporativismo de associação, até aqui, havia, naturalmente, de ter de corporativismo de associação uma noção que fosse harmónica com o nosso sistema constitucional. E uma noção harmónica com o nosso sistema constitucional conduzia a que, ao falarmos de corporativismo de associação, se não exigiam como elementos do conceito deste corporativismo nem a iniciativa na constituição dos organismos de coordenação, nem a completa autonomia das corporações.

Eu utilizei a nossa ordem constitucional apenas para demonstrar que nós, que temos falado de corporativismo de associação, não estávamos, não podíamos estar, ligados a um certo conceito de corporativismo de associação. E não podíamos estar ligados porque devíamos pensar dentro da nossa ordem constitucional, e aí verificava-se que o princípio da autonomia completa da corporação não podia existir. Depois, e m certo momento, disse que uma certa solução não era possível dentro da ordem constitucional vigente e que supunha que também não era admissível dentro de qualquer ordenamento constitucional.

Quando analisamos uma proposta podemos pôr problemas de ordem constitucional; não porque o ordenamento da lei possa contrariar as disposições vigentes da Constituição, mas para sugerir a eventual modificação destas no momento oportuno, se assim for exigido pelo regime novo que se julga dever ser instituído.

Quando citei o artigo 102.º da Constituição fi-lo para aludir à eventualidade duma modificação constitucional; quer dizer, segundo certa interpretação que suponho ser uma das possíveis do parecer da Câmara Corporativa, era necessária, para a adoptar, uma modificação da Constituição em que se admitisse a possibilidade de a Câmara Corporativa ser, além de órgão de consulta, também de decisão.

Eu sei que a Câmara Corporativa viu a dificuldade e lhe procurou uma solução. Mas não é uma solução, é, segundo creio, uma saída, a não ser que se leia «Congresso das Corporações» onde está «Câmara Corporativa».

O Sr. Carlos Moreira: - Estou de acordo com V. Ex.ª em que realmente há um escolho para a realização integral da corporação no sentido das necessidades presentes e da tradição.