dar para corrigir, melhorar, modificam, porque a experiência, é a grande mestra da vida e só ela, neste campo, miúda, praticamente inexplorado, nos pode manifestar seguros ensinamentos.

Depois ver-se-á o caminho que mais convenha seguir.

Considero realista, o critério seguido na proposta, e por isso lhe dou a minha aprovação, embora reconheça que a integração vertical. seguindo o critério do ciclo económico da produção, tenha uma aparência, lógica, de maior aceitação.

Fixado o critério segundo o qual as corporações se devem instituir, detenhamo-nos um pouco sobre as suas atribuições e competência, que se acham enumeradas no capítulo II da proposta.

Com o seu conteúdo não concorda o parecer da Câmara Corporativa, que o deseja tão amplo, tão amplo, que o levasse o reformar o Estado «de alto a baixo» (p. 873), pois não se resigna a ver as atribuições corporativas reduzidas, por falta de um órgão de coordenação superior (que seria a Câmara Corporativa), à modesta condição de mero instrumento constitucional, «que tem voz, mas não decide».

Esta ambição do parecer da Câmara Corporativa, aliás já mais de uma vez manifestada noutros pareceres, revela-nos que se perdeu a noção da realidade.

E a realidade é esta.

A Câmara Corporativa, do ponto de vista político e constitucional, não é um órgão de soberania (artigo 71.º), mas simples organismo de estudo e consulta (artigo 103.º), que não tem a representação de facto, como se vê do artigo 102.º da Constituição, de todas as actividades nacionais, mas apenas de uma parte delas, embora grande. E bastaria esta constatação para lhe tirar a veleidade de se arvorar em órgão representativo do interesse nacional, que não é, aliás, o somatório dos interesses particulares de algumas, mesmo de todas, as actividades nacionais.

Afirma o parecer que «nunca poderá ser completa a caracterização de um sistema corporativo sem que à sua orgânica se dê o elemento-base» de pode r legislar, de fazer as leis. É uma opinião que nem a lei nem a doutrina sancionam.

Em primeiro lugar, direi que o problema não está posto, nem na proposta em discussão o poderia ser, mesmo a título de indicação de orientação futura ou simples afirmação de princípios.

As coisas são o que são e não aquilo que desejaríamos que fossem.

E, em segundo lugar, porque na nossa estrutura orgânica corporativa não existe órgão algum corporativo que num plano superior discipline e coordene as actividades diferenciadas de cada uma das corporações que venham a constituir-se.

A única entidade coordenadora e disciplinadora das actividades representadas nas corporações é, e nunca poderá deixar de o ser, o Estado, intérprete supremo do bem comum (Constituição, artigos 5.º e 6.º).

E nem poderia deixar de o ser sem que ele abdicasse, das suas funções essenciais, demitindo-se dos direitos e dos deveres que por natureza lhe competem.

Não teríamos, é certo, na hipótese do parecer, um corporativismo de Estado, mas teríamos, com certeza, um estatismo corporativo, bem pior que o primeiro, pela subordinação do geral ao particular, que caminharia a breve trecho para uma espécie de totalitarismo corporativo, de nefastas consequências.

Mas não deixa de ser interessante verificar se a aspiração do parecer da Câmara Corporativa tem alguma consistência lógica, mesmo no campo da simples teoria.

A construção teórica do parecer, se bem a entendi, assenta no princípio da autonomia da corporação e segue este raciocínio, que textualmente transcrevo:

Se os organismos primários agrupam e coordenam indivíduos ou empresas; *e daqui subirmos ao organismo intermédio, onde se faz a coordenação dos organismos primários; e se num terceiro patamar, aparece a corporação como centro coordenador dos organismos intermédios - é manifesto que, na hipótese de existir mais de uma corporação (e está-se a pensar o real), o princípio da necessidade de coordenação não deixará de actuar, suscitando um novo e último plano, onde há-de situar-se o organismo coordenador das próprias corporações.

Do ponto de vista teórico, esta conclusão é inatacável. E o raciocínio, apenas estribado na realidade prática, também reclama a necessidade de um órgão supremo de coordenação corporativa.

que se prejudique, na procura do chamado bem comum, a «personalidade do homem a pretensas razões de Estado».

Mas limita-o porque, reconhecendo que o somatório dos interesses profissionais ou das categorias económicas não é igual ao complexo de fluidas fronteiras que cê chama o bem comum, não pode consentir que se «divinize a corporação, transformando-a de meio, que é, em fim, que não pode ser»; numa palavra, porque não deseja, como lapidarmente afirma, que para fugir ao totalitarismo do Estado se vá cair no «estatismo» da corporação (p. 763).

Ela deseja a necessária autonomia da corporação, mas concebida por uma forma equilibrada, para que esta «não possa isolar-se, fechar-se na defesa unilateral e intransigente das conveniências do grupo, tornando-se centro dos egoísmos das categorias que representa ou de oligarquias indesejáveis».

Reconhecendo o poder destas razões, o parecer da Câmara Corporativa imagina, para as ilidir, ou, melhor, para as iludir, uma construção teórica, que me parece ser de grande fantasia.

Vejamos como ele a imagina. É assim:

A ideia mestra de um corporativismo autónomo é «o princípio da autonomia». Esta autonomia - já vimos - não é absoluta, mas condicionada ao assentimento do Estado. Aqui talvez não ficasse mal a expressão «quase autonomia». Mas sigamos o raciocínio do parecer.