O Sr. Carlos Moreira: - É sobre a interpretação de um preceito constitucional ...

O Sr. Presidente: - Mas não se está a discutir qualquer preceito constitucional. Por consequência, não há que interrogar a Mesa, visto que esta só pode ser interrogada num caso desses, isto é, quando se pretende discutir qualquer interpretação da Constituição ou do Regimento.

O Sr. Carlos Moreira: - É, efectivamente, disso que se trata. Não conheço qualquer preceito constitucional ou regimental que impeça qualquer Deputado de pedir a palavra para apresentar um requerimento. Ora ...

O Sr. Presidente: - Evidentemente que não, mas, nesse caso, o Presidente tem de ser avisado de que vai fazer-se um requerimento e qual o assunto, e só depois disso é que ele lhe poderá conceder a palavra.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas é que não chegou a haver oportunidade para dizer qual a matéria sobre que se pretendia falar ...

O Sr. Presidente: - Exactamente por isso é que eu não podia dar a palavra.

O Sr. Carlos Moreira: - Peço desculpa da insistência, Sr. Presidente, mas pareceu-me entender que o ilustre Deputado Engenheiro Amaral Neto estava pretendendo informar V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Quem pretende usar da palavra tem de dirigir-se à Mesa para declarar o assunto sobre o qual deseja falar. Tenho muita consideração por V. Ex.ª, mas não posso dar-lhe mais explicações.

O Sr. Carlos Moreira: - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas não preciso mais nada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Neste dia, em que não se extinguiram ainda os brados triunfais das populações portuguesas, deveríamos ficar nas belas expressões do Sr. Presidente. Quer, porém, a ordem dos trabalhos parlamentares e a acumulação de serviço durante o interregno que me tenha de referir a outra face do direito internacional - ao agravo que nos foi feito em Nova Iorque ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Em Nova Iorque, quer dizer: nas Nações Unidas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Embora os homens do nosso tempo estejam habituados a frequentes travestis da verdade e à desligação do real do formal no tablado internacional, o que se passou na Comissão das Curadorias e na Assembleia Geral das Nações Unidas, onde nos foi feita relativa justiça, merece o protesto desta Câmara.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chega nos jornais desta manhã a notícia de que o procedimento havido com o Portugal de aquém e de além-mar findou por uma votação de empate, para cujo veredicto se exigiam dois terços de votos, e que por agora se pôs ponto final a um tratamento injusto, desigual, direi mesmo afrontoso; mas o erro e agravo foram feitos e merecem ser repelidos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que o debate foi particularmente violento e que se chocaram os votos entre o grupo afro-asiático, onde domina o esclavagismo político e social, e o grupo do Ocidente, que constitui, recolhe e derrama os primores da própria civilização e do direito.

Vozes: - Muito bem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eis porque vou ocupar alguns minutos antes da ordem do dia.

O que se passou no discutido areópago das curadorias seria insólito se não revelasse, desde o primeiro momento, a subalternidade em que se encontram os princípios de direito internacional perante as tácticas políticas ou as preocupações duma espécie de parlamentarismo publicitário.

Nos debates, na querela dos grandes e pequenos Estados pretensamente unidos, ignora-se o direito natural, à sombra do qual se instituíram as pedras angulares do edifício que laboriosamente vai sendo erguido; esqueceu-se a história universal, com a sua lição de novos mares, novas rotas da civilização, países ignorados imersos na antropofagia, no tribalismo e na desordem; ignorou-se o enriquecimento ético pelo respeito, boa fé, lisura e fidelidade, pelo bem comum na independência e pelo bem na cooperação; falou-se em paz e invocou-se a segurança com hermenêuticas excessivas e desautorizadas, nas quais não pode haver nem distribuição nem reconhecimento de justiça.

Os representantes das Nações Unidas, reunidos em S. Francisco, elaboraram um código dispositivo de sentido amplo, chamado Carta das Nações Unidas, pelo qual se pretendeu pautar de futuro o procedimento dos Estados membros. Foi então afirmado que não se tratava de regras de rigor nem de imperativos perfeitamente depurados e categóricos.

Bem diversamente.

Disse-se e repetiu-se que se tratava de combinações políticas, de compromissos estabelecidos de momento, tomados pelos originais subscritores como transigência» e arranjos.

Não chegavam tais combinações à altura daqueles actos e tratados em que as vontades se conciliam e ex-