primem novo acordo, embora condicionados nos efeitos e sofrendo de relatividade.

O que ficou na Carta eram combinações e entendimentos de pura cooperação, tendentes a evitar a guerra e a fornecer a segurança geral que faltara no passado.

Claro que o direito internacional é bem mais do que isso e está próximo das regiões puras da filosofia jurídica, onde o situaram Suarez, Serafim de Freitas, Pedro Margnlho, Fufendorf, onde o idealizou Bui Barbosa, onde o visionou o meu saudoso professor Machado Vilela e onde o colocam internacionalistas, escritores e professores tão distintos como suo hoje Paulo Cunha, para mais ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, Caeiro da Mata, Martinho Nobre de Melo, o leader Mário de Figueiredo, o escritor Augusto de Castro, Esteves Fernandes e Ferrer Correia, que nos seus escritos e afirmações ascenderam às regiões mais altas e têm do direito uma concepção tão elevada como firme.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas os homens de S. Francisco, além do admirável intuito de que não voltasse a barbárie, eram homens práticos, economistas, grandes administradores, e imaginavam a vida jurídica através de concepções sobre os negócios e as sociedades anónimas.

Portanto, a letra e o espírito da Carta são discutíveis, nem sempre claros e muito menos peremptórios.

Eu direi o seguinte: se o direito internacional não estabelece, em relação à Carta, comandos absolutos, se não chegou ainda a formulações definitivas, como se admite a arrogância doutrinal do grupo afro-asiático, juridicamente o mais atrasado? Se estamos ainda na fase de laboração, como se podem conceder interpretações latas e o que é mais aplicações sumamente pretorianas?

Quer V. Ex.ª ver, Sr. Presidente?

Respondo a estas perguntas: crise de jurisconsultos e de direito.

No seio da O. N. U., na sua estruturação e funcionamento, néon sempre o direito tem. a palavra devida, nem sempre aos internacionalis sempre nitidamente expressa, das assembleias e constante das suas recomendações, conselhos, moções ou veredictos.

Esta crise de profissionais do direito, de princípios e técnicas jurídicas, imolados a tácticas, conchavos políticos, habilidades de políticos ou condutores, toma maior vulto e apresenta superior nocividade na contrariedade surpreendida entre o que é aparência de direito internacional e o direito interno.

Levaria muito tempo e deslocaria a minha intervenção parlamentar explicar o conflito intelectual estabelecido entre os defensores da comunidade jurídica internacional, os apóstolos da vontade colectiva com os teóricos da auto-limitação do Estado autenticamente soberano e destes com os discípulos da chamada escola de Viena, bem como os teóricos da convicção jurídica os demais objectivistas. Todos eles andam à volta são problema fulcral, mas todos eles admitem a existência duma justiça superior e ordenadora, extraída do sentimento e da razão, ou, melhor, alicerçada na consciência geral, que o jurista será mais apto a interpretar e a definir - muito mais que os técnicos, os políticos ou os oportunistas.

Além daqueles males que enumerei, será um maior estabelecer-se ou tentar-se apresentar a contrariedade entre o direito internacional e o direito orgânico interno. Esta contrariedade não pode existir onde haja interpretação perfeita, razão autorizada.

Mas existe?

E porquê?

E o que vamos ver desenvolvidamente, mas sem abandonar o plano onde estamos colocados.

Não sei se já foi notado o carácter particular do capítulo XI, que serviu de base ao debate e à votação da moção injurídica da Comissão das Curadorias.

A Carta, depois de consignar os objectivos e formular algumas ideias essenciais, definir os membros e apontar os órgãos, estabelecer a competência da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança e do Conselho Económico Social, dispõe sobre processos e diferendos e fórmulas de solução pacífica.

Chega assim ao capítulo XI, que serviu de base à apreciação da situação de facto e de direito em que se encontram os Portugueses e o seu território de além-mar.

Este capítulo, que comporta dois grandes artigos, chama-se Declaração relativa aos territórios sem governo próprio».

Eu digo: se se trata de uma declaração, trata-se de uma afirmação enunciativa de solenidade, tecnicamente diversa dos regimes expressos nos outros capítulos, que envolve em responsabilidade principalmente os originais subscritores, e que, pelo seu carácter, torna mais precárias a vincularão política e a formulação de arranjos já referida.

Nesse capítulo, artigo 73.º, formulam-se, como declaração solene e não como obrigação assumida, deveres gerais dos Estados, sendo o primeiro desenvolver a capacidade de administração própria e tomar em conta as aspirações políticas. Trata-se, evidentemente, da enunciação de possíveis aspirações políticas, pois que a única obrigação positiva da dec laração, prevista na alínea c) do mesmo artigo, é a de comunicação regular ao Secretariado-Geral de informes estatísticos e outros de natureza técnica relativos a condições sociais, económicos e instrutivas nos territórios acima definidos.

Nem se tira do direito declaratório uma regra vinculante, nem se passa além da enunciação vaga dalguns princípios sentimentais.

Portanto, outros princípios não podem subir na hierarquia das regras e menos ainda autorizar intromissões e fiscalizações incomodativas, como vamos ver.

Portugal não se limita a administrar territórios autónomos e nem estes assim definidos existem no ultramar.

A Carta refere-se a territórios, e nós, política, social e juridicamente, temos como suporte da construção secular e jurídica do Estado Português um só território nacional.