dráulica agrícola como reprodutivas; outra, a injustiça que representa para os não beneficiados, que são a grande massa dos Portugueses, gastarem-se verbas muito avultadas em proveito duma minoria privilegiada; a terceira, e mais grave de todas, habituarem-se os regantes à gratuitidade do serviço de água e tornar-se cada vez mais difícil, em face do estado de espírito que naturalmente neles se cria, levar esses beneficiários da água de rega a considerarem-se devedores das taxas legais. Acresce que a valorização das terras pode, em caso de transmissão destas nas circunstâncias aludidas, representar um locupletamento indevido do primeiro proprietário beneficiado 1. Não vale a pena desenvolver ou insistir no assunto, tão injustificadas e prejudiciais são as consequências resultantes do actual estado de coisas. Elas parecem provir de não ser bem ajustado às realidades e às necessidades o regime vigente, e nada custa a admitir que este tenha de ser revisto. Em tal hipótese, urge fazer a revisão do regime jurídico das obras de rega, designadamente no respeitante à administração das mesmas e à cobrança das taxas. Posição do plano das obras de fomento hidroagrícola Parece à Câmara Corporativa que seja útil e de interesse lembrar alguns passos da caminhada das obras de fomento hidroagrícola na metrópole, porque o conhecimento da matéria poderá ajudar a esclarecer na procura da solução para tão instante e relevante assunto como é o da proposta.

Com o advento do Estado Novo saiu a irrigação do domínio das coisas desejáveis para o campo das realidades, mercê das possibilidades financeiras criadas à Nação. A irrigação, problema mais económico-social do que de obras de engenharia hidráulica, empreendimento de economia de desenvolvimento lento e de resultados a longo prazo, está quase sempre fora do alcance da capacidade realizadora do particular e do tempo da vida de um homem. Daqui o competir ao Estado - nos países onde a agricultura de produção de alimentos está condicionada por uma meteorologia desconcertante, com chuva insuficiente ou água em excesso, mantendo o agricultor em constante jogo de azar - a função de fazer a rega das terras, o seu enxugo e a defesa contra as cheias, porque só ele tem a capacidade de poder aceitar a remuneração ou reembolso de investimentos vultosos em longo período. As receitas não imediatas por ele recebidas traduzem-se sempre no acréscimo da riqueza pública, pelo aumento da valorização da propriedade e da produção, na movimentação e desenvolvimento do comércio e do volume das transacções, no aumento da riqueza tributável e das contribuições, na intensidade e distribuição do trabalho ao longo do ano, numa proporção de seis a dez vezes superior à do sequeiro, na criação de novas indústrias com base na agricultura e, por último, até na criação de escola de técnicos para o ultramar.

Em todas as obras de fomento, desde o seu lançamento até à sua entrada em plena exploração, o multiplicador económico dos rendimentos da Nação tem curva ascensional, marcada logo de início nos salários, nos transportes e no comércio. Depois de concluídas - se são obras de rega - há nítido aumento na criação da riqueza, nos consumos e na melhor distribuição. Diz a experiência que tal multiplicador possa tomar, na região beneficiada, o valor de cerca de 2 no período da execução das obras, e só pelo efeito operado fora do sector agrícola, e subir a cerca de 4 no pleno desenvolvimento da exploração. Assim surgiu, em 1930, o primeiro programa de acção, com o investimento de 100 000 contos para a hidráulica agrícola e a criação do organismo coordenador, orientador, dirigente e de estudo do problema hidroagrícola: a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola.

Para satisfazer a acção a desenvolver com a reconstituição económica (Lei n.º 1914, de Maio de 1935), e investimento igual a 6,5 milhões de contos, no qual a hidráulica agrícola, irrigação e povoamento interior ocuparam lugar de especial relevo, à Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola foi dada a reorganização de 1935, com a qual o Governo confirmou «... chamar a si, como lhe cumpre, adentro da missão redentora que se impôs, o primeiro lugar na resolução de tão fundamental problema e assegurar os meios materiais e técnicos necessários ao organismo que tem de realizar a obra de necessidade iniludível e inadiável da transformação agrícola e económica de que tanto carece Portugal».

Para o fim em vista a Hidráulica Agrícola apresentou um plano de obras em 1937, o qual foi submetido à Câmara Corporativa, que sobre ele emitiu o parecer aprovativo de 28 de Abril de 1938, em que o saudoso e grande Mestre de engenheiros Vicente Ferreira escreveu a menção honrosa de tal plano dever ser considerado como «um dos mais importantes e bem orientados planos de obras de fomento elaborados nos últimos cinquenta anos». De vinte obras, a seguir indicadas, abrangendo a área de 106 000 ha, se ocupou o plano da Hidráulica Agrícola, para as quais então se previa o investimento de 1 118 381 coutos:

10. Campinas de Silves, Portimão e Lagoa.......... 1 900

18. Vale do Sado (curso inferior), 3.ª parte...... 6 291 Deste conjunto de obras, as n.ºs 1 a 9 já tinham projecto definitivo e já estava adjudicada a construção das obras n.ºs 1 a 8 quando foi emitido o parecer da Câmara Corporativa. A grande guerra apanhou em cheio a execução das obras deste plano. Mercê, porém, de um entusiasmo que sempre esteve presente para a oferta total à tarefa comandada pelo dever, as obras progrediram, embora afectadas no seu custo; e quando se fez, em Novembro de 1949, a integração da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola na Di-

1 São conhecidos casos em que assim se verificou.