O Sr. Amaral Neto: -Se V. Ex.ª me dá licença, Sr. Deputado Daniel Barbosa, e pedindo desculpa de me intrometer em matéria em que sou leigo, e em relação com o episódio a que o Sr. Deputado Melo Machado acaba de referir-se, queria notar que há regimes alimentares ricos sobre pequenos volumes e regimes alimentares pobres sobre grandes volumes. Parece-me que este seria talvez o caso dos soldados portugueses em França, como aliás é o caso de quase todos os portugueses.

O Orador: - Exactamente; esse é o nosso mal: procurar-se, por falta de poder de compra e pelo hábito que, em parte, é dele consequente, a quantidade alimentar em sacrifício da qualidade.

Seja-me permitido agora abordar, embora rapidamente, um ponto que me parece digno de referência e que respeita à injusta classificação que se nos está usualmente atribuindo, em consequência dos factos que atrás foquei, e a qual leva a considerar o nosso país, num critério de pecaminosa generalização, como país subdesenvolvido, como país atrasado no conjunto das nações civilizadas, ou seja particularmente em relação aos países do mundo ocidental.

É corrente, de facto, deparar com essa pejorativa classificação, no sentido não do particular, mas do geral, seja dada por pessoas, seja dada por entidades responsáveis ; de facto, ainda não há muito tempo, numa acreditada publicação económica inglesa, se dizia acerca da situação previsível para diversas nações em futuro próximo, conseque ngindo actualmente uma particular importância não só em razão da evolução do colonialismo, do estabelecimento duma solidariedade internacional e da concorrência entre o mundo capitalista, mas também dos rápidos progressos da demografia mundial.

Como tão bem observa o presidente da Comissão da População das Nações Unidas -e que é um dos mais distintos demógrafos da França-, essa preocupação avivou-se nos últimos tempos de forma equiparável à preocupação que, no século XIX, o problema das classes pobres constituía para as classes abastadas.

Simplesmente, se nessa designação, que de certo modo amesquinha, se podem englobar países e regimes muito diferentes, certo é também que determinados caracteres comuns os ligam de certa forma entre si; poderão ser, segundo ele, por exemplo:

1.º Uma forte mortalidade, principalmente infantil, a par duma vida média curta, oscilando entre os 30 e os 40 anos;

2.º Uma fecundidade elevada, vizinha da fisiológica ou, pelo menos, não contrariada por práticas anticoncepcionais;

3.º Uma grande proporção de analfabetos, atingindo frequentemente os 80 por cento;

4.º A sujeição servil da mulher ao lar, sem direito de trabalho livre fora dele;

5.º O trabalho da criança, muitas vezes antes de ter atingido os dez anos;

6.º Ausência ou muito pequeno peso das classes médias;

7.º Uma grande proporção de agricultores ou pescadores;

8.º Subemprego, por insuficiência de meios de trabalho ;

9.º Alimentação insuficiente, inferior a 2500 calorias e, sobretudo, fraca em proteínas;

10.º Regime autoritário, sob diversas formas, com ausência de instituições democráticas.

Se considerarmos este conjunto de condições, mais ou menos comuns, como um teste, Portugal está, como é naturalmente evidente, fora dele; de facto, seria ridículo pretender que nos colocávamos, mesmo marginalmente, entre as cinco primeiras alíneas, a não ser para negar, pela inconsciência ou pela mentira, a realidade dos enormes progressos feitos nesses campos.

A inconsistência do n.º 6.º é evidente igualmente, como, alias, o é também a do n.º 7.º, dado que dentro do tipo agrícola, com que a economia portuguesa se tem firmado até hoje, se não pode considerar exagerada a proporção existente da nossa população agrícola, muito embora a podamos achar elevada em relação à nossa produtividade.

Pelo que respeita ao n.º 10.º, direi somente que «instituições democráticas» não significa «instituições inerentes a regimes democráticos»; é expressão puramente destinada a significar o direito de representação, de formulação de vontade eleitoral, de ausência de privilégios de castas e de classes perante e lei, etc.; enfim, de toda aquela série de princípios que cabem perfeita e logicamente numa forma corporativa de Estado como é a nossa.

Fica-nos, portanto, o n.º 9.º e, de certo modo, o n.º 8.º, com características da nossa economia actual, a definir uma situação desagradável, embora, que temos de remover, evidentemente, o mais depressa possível, mas que se têm de encarar como definidoras de um «estado» numa evolução de aproveitamentos ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... de possibilidades e de utilização que de há muito vimos fomentando para bem duma política social que se define num conjunto, já, de realizações e de aproveitamentos cujo grau de progresso se integra perfeitamente nos diversos países que connosco definem a civilização ocidental.

Falta-nos, é certo, atingir, sob aquele aspecto, a posição de que precisamos, muito embora nos coloquem já no limite das 2500 calorias; mas é certo que a revolução industrial e o progresso económico, que levaram certas nações a um nível de vida muito mais alto do que o nosso, não foram consentâneos a todos, nem no tempo nem no espaço; e, em muitos casos, se não mesmo na maioria esmagadora de todos, o desenvolvimento das aplicações práticas da ciência a instaurar novas técnicas de aproveitamento de territórios, até então considerados pobres ou inaproveitáveis por condições físicas ou de lugar, só há poucos anos nos trouxe, na verdade, as possibilidades que temos hoje.