Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou interromper a sessão por alguns minutos.

Eram 19 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: como o Sr. Deputado Daniel Barbosa, também eu tenho a opinião de que se deve a verdade ao País e de que dizer-lha é preferível a ocultar-lha, dado que é muito mais conveniente que este a tenha por forma ostensiva e clara do que n capte nas insinuações do boato e continue a deformá-la ainda mais do que ela já lhe chega quando bebida nesta fonte.

Deve o Governo a verdade ao País e deve o País a verdade ao Governo. Devem-lha designadamente aqueles que, pela posição política que ocupam, têm por missão dar-lhe conta de tudo o que possa contribuir para orientar a sua acção e dirigi-la no sentido de satisfazer o bem comum que lhe cumpre realizar.

Para continuar a acompanhar o pensamento do Sr. Deputado Daniel Barbosa, entendo, no entanto, distinguir, como S. Ex.ª fez, entre a verdade que se nota e a verdade que se deve.

A simples enumeração de factos é a verdade que se nota; a selecção dos factos a apontar para a doutrina da sua valoração é a verdade que se deve.

Ainda se não descobriu processo lógico de passar da realidade do ser para a do dever ser. Do ser não podem extrair-se normas de conduta, não pode extrair-se, portanto, uma política.

Podem extrair-se leis que exprimem puras regularidade fenomenológicas; não podem extrair-se leis finais ou normas de conduta. Estas hão-de buscar-se nas concepções que se tiverem da vida, da sociedade e do homem.

O que acaba de dizer-se não significa que seja despido de interesse político o conhecimento da realidade d ser e das leis que a exprimem. Tem mesmo o maior interesse, porque, conhecidas as leis naturais, quer dizer, as relações entre os fenómenos, ficam a conhecer-se os termos dessas relações em que é preciso intervir para que a lei natural se realize conforme ao sentido que se pretende. A determinação deste sentido é que já não tem nada que ver com a realidade do ser, mas com a concepção que se tiver da vida, da sociedade e do homem, como acima dizia.

Vem isto para dizer que a simples enumeração de factos não critica nem serve de apoio a uma política. Afirmar que o nosso nível de vida é baixo, que somos um país subalimentado e que a capitação do rendimento nacional é das mais baixas da Europa pode corresponder à verdade, mas não adianta nada como processo crítico da acção governativa. Para adiantar, era preciso demonstrar que aqueles factos se verificam porque a acção governativa tem sido errada ou inepta e que, se tivesse sido outra, de entre as possíveis, aqueles factos seriam outros também. Se isto se não demonstra, não se está a dizer a verdade que se deve ao País. Estão a dizer-se coisas que podem ser verdadeiras, mas não se está a «dar» a verdade que se deve. Estão a fixar-se factos que o povo, no seu simplismo, tende a imputar aos governantes e que estes não ignoram; o seu esforço é até buscar os meios de os remover. Pode criar-se assim um estado de espírito gravemente perturbador, que comprom ete, em vez de ajudar, a solução dos problemas. Dizer a verdade aos bocados não é «dar» a verdade que se deve ao povo.

Deve-se a verdade ao povo e deve-se a verdade aos governantes.

Se o que a estes se diz é, porém, o que se sabe que eles já conhecem, se o que se lhes propõe como solução é o que se sabe estar já no caminho das soluções do Governo, está a querer abrir-se uma porta aberta.

O inconveniente é menor do que no primeiro caso. Pode deixar-se a impressão de que a acção do Governo foi provocada, quando estava na linha da sua política e só aguardava oportunidade. Isso, porém, não fará grande mal ao Governo.

Feitas estas notas preliminares, vou procurar ver se me é possível considerar o problema posto pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa por algum ângulo por que ainda não tenha sido olhado. Certamente não o conseguirei e isso me obriga a pedir desculpa a VV. Ex.ª por repetir, com menos brilho, o que já foi dito por outros, demorando o debate e cansando-os ao insistir sobre questões já postas e sobre as quais terão um juízo formado. Colocar-me-ei, ao fazer as minhas observações, no próprio plano em que se colocou o Sr. Deputado Daniel Barbosa. Em geral, não discutirei números; trabalharei sobre os que foram trazidos à Assembleia por aquele Sr. Deputado e cuja consistência foi já analisada no debate.

Começa o Sr. Deputado Daniel Barbosa por procurar determinar o poder de compra da população. Não se serve para isso dos elementos estatísticos de que se dispõe, porque, como eu, os considera insuficientes e, portanto, capazes de conduzir a erros graves.

Prefere, por isso, recorrer ao método do orçamento familiar-tipo - um orçamento familiar-tipo por ele imaginado, relativo a uma família composta de pai, mãe e dois ou três filhos.

Organiza para esta família uma dieta alimentar pobre, propositadamente pobre e desequilibrada no aspecto qualitativo, mas suficiente no aspecto das calorias que fornece. E chega, parece que por inquéritos directos feitos no mercado, à conclusão de que os géneros para a composição daquela dieta custam por mês 950$. Partindo da ideia de que para satisfazer as outras necessidades da família, diferentes das de alimentação, é preciso um terço do que se gasta nestas, na hipótese que estuda, chega à conclusão de que os proventos mínimos indispensáveis para ocorrer às necessidades de vida daquela família montam a 1.500$ mensais.

O Sr. Daniel Barbosa:-Nunca disse que supunha que era preciso um terço para as despesas restantes, mas,