da habitação. O sentimento, o raciocínio, a observação, já a haviam dado - a causa pleiteia-se há cem anos e a sentença de há muito transitou em juízo - por factor essencial da saúde física e moral, da estabilidade das famílias, da formação dos filhos; de todas as misérias, de todos os vícios e de todas as calamidades do estado social das famílias operárias, disse o exultado, mas provavelmente sincero, Louis Blanqui. Já se reconhecera também que a mudança de casas insalubres para moradas alegres e higiénicas fazia nascer como que vidas novas; que impelia a lavar os corpos e parecia lavar as almas. Mas poderão ainda alguns perguntar se a massa do povo mal alojado sentirá, só pelo facto, algo mais que resignação, confundida na queixa geral das suas privações?

Eis agora um testemunho, uma espécie de comprovação experimental, de que só por causa das más habitações se geram forças de aversão à ordem estabelecida capazes de condicionarem as reacções das massas populare s para com o meio social. Será o fenómeno peculiar ao pais observado? A alma humana sendo como é, e Portugal não tão longe da França, avisados andaremos decerto tomando nota daquela conclusão e aceitando que uma boa política habitacional dará melhor coesão a toda a colectividade, suprimindo fermentos de descontentamento capazes de levedarem na irritação de muitas relações humanas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O interesse consabido, os esforços notórios de todas as nações civilizadas o confirmam: o problema da habitação não tem nos nossos conturbados tempos somente importância social, tem urgência política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Não emigram das aldeias para as cidades e vilas, e mormente para Lisboa ou Porto e seus termos, milhares de pessoas em cada ano, a darem-lhes vida e pujança, acrescidas de dia para dia, só pelo atractivo dos meios mais brilhantes ou da vida mais agradável; não, fazem-no acicatadas pela necessidade pura e simples da sobrevivência, porque nas suas terras de origem a saturação das ocupações e a pressão demográfica lhes tornam a vida difícil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As inúmeras oportunidades dos grandes centros, que todos os dias os exemplos de alguns mais felizes ou mais hábeis ilustram, são apenas o magneto a reforçar, pela sua atracção, o impulso que vem de lá.

Nem se diga que tanta gente vem por causa do alojamento, pretextando com o evitar de engrossar a corrente a inércia na construção de casas que lhes sirvam. Eles não vêm por causa, vêm apesar das casas.

Se não as encontram, constróem barracas; se lhes desmancham as barracas, metem-se nas furnas, ou aninham-se em velhas banheiras cobertas de oleados rotos, ou enrolam-se dentro de caixas de automóveis abandonados, mas ficam; somente de cada vez mais amargurados, de cada vez, porventura, mais lêvedos para a explosão contra tudo o que os aperreia.

Olhando aqui em volta, Sr. Presidente, o que vejo é sermos em grande número os provincianos fixados e acomodados nas capitais (e ainda, não serei eu, todavia, lisboeta de nascença, dos mais desenraizados); em boa consciência, teremos realmente muito que clamar contra o urbanismo?

Não, não nos debatamos em vão contra o urbanismo, pelo menos enquanto não soubermos ou pudermos detê-lo onde começa, e reconheçamos que, pela força inevitável dele nas capitais e seus subúrbios, por força do crescimento inexorável da população e dos seus requisitos, em todas as partes, e nosso como os demais povos não pode furtar-se a construir alojamentos em ritmo crescente e em verdadeira harmonia com a repartição das capacidades económicas dos moradores.

Ora, pela relativa ausência das influências dedicadas ao interesse mais geral, a nossa, indústria de construção civil, indubitavelmente activa, tem-se consagrado a edificar moradas perfeitamente no invés das verdadeiras necessidades.

Nas duas capitais. Lisboa e Porto, segundo a estatística oficial, foram dados como concluídos para habitação nos oito anos de 1949 a 1956, inclusive, 32 067 fogos, o que já seria muitíssimo estimável se não houvesse os enormes atrasos anteriores a preencher; e o ritmo, que abrandara até ao ano de 1952, particular em Lisboa, recrudesceu depois com força:

A distribuição por categorias dos prédios, porém, mostra que a esmagadora maioria dos edifícios foi dos de rendas livres, cujas subidas não necessitarei de recordar, a saber: