nava para a futura história a competência «de julgar com íntegra imparcialidade o reinado findo».

Os cinquenta anos passados bem justificam a prudência do conselheiro: dão-nos eles já perspectiva, suficiente para se poderem garantir à luz do interesse nacional, que o rei diligenciou sempre servir- as bases dum julgamento imparcial.

Por consenso amplo, que abrange ale irredutíveis adversários, tratava-se de um monarca empenhado, pelo menos, em servir devotadamente o Pais com a sua inteligência, que era grande, e com a coragem e bom senso, que lhe não ficavam atrás.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A propósito ouçamos as palavras insuspeitas do Sr. Lopes de Oliveira, quando, na História do Regime Republicano en Portugal (vol. 2.º, p. 133) honestamente reconhece que:

... além da defesa do regime, outras preocupações encheriam o espirito do monarca, cujo patriotismo não poderá negar-se sem grave injustiça: o desenvolvimento económico, a consolidação do nosso império colonial, o levantamento do bom nome da Nação no conceito mundial, muitas vezes o apaixonaram e dirigiram os seus esforços.

Hoje, à contraluz do acontecido após a sua inditosa morte, a espíritos novos, limpos das paixões do tempo, a figura de monarca impõe-se-lhes já como a de um dos grandes reis da nossa história.

Nesta Casa, restaurada no seu tempo e a que presidiu, figurado na bela estátua de Teixeira Lopes, o têm proclamado, frequentemente e com inteira justiça, ilustres Deputados, de que, exemplificativamente, recordo os Srs. Cerveira Pinto, João do Ameal, Caetano Beirão, Rui de Andrade.

Lembremos a egrégia pessoa.

De longe, dos tempos de príncipe real e dos «Vencidos da Vida», a sua personalidade excepcional já era reconhecida e admirada.

O exercício da realeza só veio confirmar, apurando-os, seus excelsos dotes.

As suas faculdades mestras, mentais e morais, concisamente as definira João Franco -Cartas de El-Rei. D. Carlos- nas seguintes palavras: «era um Homem, uma inteligência política, um generoso coração».

Nestas superiores virtudes humanas, acrescidas da admiração pelas suas ricas faculdades auxiliares -extraordinária memória, o dom das línguas, talento artístico de pintor, gosto pela ciência- convém todos os políticos que tiveram ensejo de com ele privar: Júlio de Vilhena. António Cândido, Fushini, Bernardino Machado.

De igual sorte os intelectuais do tempo: Ramalho. Oliveira Martins, Eça, Fialho. Abel Botelho, Lopes Vieira. Teixeira de Pascoais, que o escolheu até para herói de um seu poema dramático, que, decerto por fazer justiça ao rei, é a mais injustamente esquecida dos suas obras.

Esquematizemos o fasto e o nefasto do seu reinado, para depois insistir, mais de espaço, na interpretação das circunstâncias próximas do seu desfecho trágico.

D. Carlos recebera à morte de seu pai difícil herança régia.

D. Luís. constitucionalíssimo soberano, se o houve, deixou governar longamente, em seu nome, o quase monarca Fontes, espaldado no prestígio da sua imensa obra e contracenado pela austeridade diáfana de Braamcamp.

Desaparecidas essas grandes figuras, degradara-se aos olhos da opinião pública a rotina do rotativismo, ocupado em lutas mesquinhas pela chefia, por interesses partidários, e de regedoria, capa por vezes de escuros interesses plutocráticos.

Nesta emergência sobreveio, a começo do reinado novo, o ultimato, fruto de uma política externa e ultramarina de aventura o «mapa cor-de-rosa»- de amuo com a Inglaterra e flirt com a Alemanha.

D. Carlos, com a sua clarividência política, conseguiu vencer essa- crise, salvando-nos o essencial das grandes províncias africanas, que são hoje o nosso orgulho e a nossa melhor esperança; soube reconduzir-nos, após, aos trilhos da aliança inglesa, indispensável suporte da nossa política imperial atlântica. Não o fez, porém, sem grave dano para a sua popularidade: uma psicose de patriotismo louco teria preferido levar-nos, seguindo a tradição anglófoba do nosso radicalismo vintista, para uma solução de desespero suicidário. empregando eficientemente os seus bons ofícios ajudado por Sóveral nos preliminares da Entente Cordiale.

Em 1902, o convénio com os credores externos realizado por Hintze desanuviou as nossas finanças.

Também por esse tempo se põe regra à especulação anticlerical, tão fomentada pelas esquerdas maçónicas, pela regulamentação dos institutos das ordens religiosas. E isto a bem do interesse nacional, embora com prejuízo ainda da sua popularidade.

Além da resistência à descristianização que atingia o cerne da nossa nacionalidade, precisávamos de missionários dignos para a nossa consolidação africana. E esses onde consegui-los melhor do que nas ordens religiosas?

Em todo o caso, preocupava s rei ver realizada uma obra de restauração interna equivalente à de restauração externa e ultramarina, que se propusera.

Não o conseguira até então através do decrépito e impopular rotativismo, atingido já do mal da desagregação.

Sobreveio em Maio de 1906 a sublevação no Tejo dos navios de guerra. Foi o sinal para el-rei de uma necessária mudança de rumo na política interna.

D. Carlos, tão atento tis qualidades dos homens que pretendia utilizar no Governo, julgou ser a hora de chamar para a consecução dos seus propósitos o conselheiro João Franco. Este dera largas provas dos seus méritos excepcionais como homem de Estado. Por outro lado, o número e valor de personalidades novas, independentes e fora de partidarismos, que sugestiva, propaganda atraíra à sua chefia, e ainda o facto de o