quilhas audaciosas, por ali transformaram em espuma quantas lendas o povoavam.

E também agora, como naquele tempo, um perigo parece terrível mais por sortilégio do desconhecido do que pelos males que, na realidade, encerra.

E isso talvez porque, quando nos primeiros dias de Agosto de 1945 explodiu a primeira bomba atómica no céu do Japão, explodiu também a fantasia no entendimento humano.

E, ainda que largos anos tenham já passado, a muitos se afigura não valer a pena tentar lutar contra uma força tamanha, contra uma morte tida como certa, já que de rebentamentos daquela natureza resulta, como fantàsticamente se chegou então a admitir, a desintegração do próprio corpo humano.

E como esta tantas outras extravagâncias a muitos empresta um fatalismo que os imobiliza, detendo a sua natural inclinação para a defesa, com fundamento no que parece ser um raciocínio certo.

Ora conhecer o perigo é uma vez mais limitá-lo, vencê-lo em grande medida. Por isso, só através da organização que a proposta de lei pretende criar será possível esclarecer, anular tais preconceitos, aconselhar a atitude útil, apontar o caminho no qual a ajuda de cada um se acrescenta ao empenho de todos. E só então, como consequência do conhecimento exacto das probabilidades de sobrevivência e como resultado do procedimento ajustado de cada um, se poderá contar com a conscienciosa colaboração de muitos.

Necessária é, pois, por mais esta razão, a organização da defesa civil do território.

É sacrifício, pelo menos de algumas comodidades, o que a todos os portugueses a lei em apreciação desde já vem pedir.

É talvez mesmo sacrifício grande para alguns.

Mas será, certamente, sacrifício total de muitos se todos não aceitarem prontamente o sacrifício pequeno da sua contribuição para a defesa civil, que é o mesmo que dizer para a defesa e sobrevivência do que veneram: a sua pátria; para a defesa e sobrevivência dos que amam a sua família; para a def esa e sobrevivência de si próprios.

«Não houve forte capitão que não fosse também douto e ciente» - e nos nossos dias uma vez mais se prova a verdade de uma tal legenda, pois por certo a ninguém ocorrerá poder fundamentar-se numa improvisação dos últimos dias e numa aprendizagem da última hora a luta contra perigos como os que envolve uma futura guerra.

Indispensável é, pois, a organização que a lei se propõe criar e que, certamente, a boa compreensão de todos ajudará a ter eficiência, a ser útil, a ser garantia da continuidade de Portugal pelo tempo fora.

Sr. Presidente: procurei chamar a atenção desta Câmara para o carácter particular da proposta de lei em apreciação. Julguei poder assim mostrar mais fàcilmente como aquela proposta é adequada à finalidade pretendida e ao quase imprevisível ambiente a que se aplicará totalmente e ainda porque deverá merecer o interesse de todos os portugueses.

Referi também um dos aspectos da sua evidente necessidade. Com tudo isto procurei mostrar as razões por que, na generalidade, àquele diploma dou a minha inteira aprovação.

É tempo de terminar, mas não sem que antes tente ainda evidenciar a atitude moral que, para além dos princípios técnicos enunciados, medirá o resultado e a eficácia da luta a travar pela sobrevivência nacional, se a ela formos obrigados.

E uma tal atitude exprime-se pelo extraordinário esforço que a todos se impõe de se libertarem de muito do egoísmo próprio da sua condição humana e predisporem-se a dar, sem reservas, o seu auxílio, a prestarem o seu socorro à desconhecida vítima mais próxima, na certeza de que, se assim procederem, nenhum terá de preocupar-se com a sorte daqueles que ama e de que outros se ocuparão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Se pudesse mandar em todos os portugueses, ordenar-lhes-ia que se pusessem ao serviço da defesa civil do território nacional. Como, porém, assim não sucede, resta-me pedir-lhes que a compreendam e, depois, se lhe entreguem de coração, certos de que somente assim ùtilmente poderão concorrer para a sobrevivência desta pátria, que é de todos.

Sr. Presidente: grande pena tenho de mais não poder, para melhor ter dito; disse-o, todavia, sentindo quanto disse.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

A próxima será no dia 25, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.

Alberto Pacheco Jorge.

Américo Cortês Pinto.

Augusto César Cerqueira Gomes.

Augusto Duarte Henriques Simões.

Carlos Coelho.

César Henrique Moreira Baptista.

Jorge Pereira Jardim.

José dos Santos Bessa.

José Soares da Fonseca.

Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.

D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.

Purxotoma Ramanata Quenin.

Urgel Abílio Horta.