a Venezuela, que parece ser hoje o eldorado da nossa emigração.

Entretanto, dos 208 retornados, 148 regressaram no fim de um a nove anos - e não poucos, certamente, desiludidos, esfarrapados, velhos. Com menos de um ano de permanência no estrangeiro regressaram 19.

Os 1500 aveirenses que embarcaram para o ultramar distribuíram-se assim:

S. Tomé Príncipe ...... 16

Moçambique ............ 378

Quer dizer: o movimento com o Brasil foi igual, menos 54, ao verificado com as nossas oito províncias ultramarinas. Para a Venezuela emigrou quase o dobro dos portugueses que seguiram para todas as nossas províncias, excepto Angola !

Mas, como houve um movimento regressivo de 704 indivíduos, segue-se que o saldo positivo do distrito em relação ao povoamento do ultramar se cifrou em 836.

O quadro seguinte auxilia-nos a formar uma ideia sobre os desembarcados:

Daqui resulta que houve saldo negativo em relação à Índia, e a Macau e quase nulo no que respeita à Guiné e a S. Tomé e Príncipe. De Angola vieram mais de 50 por cento dos que para lá partiram !

Claro que não se pode esquecer - e não se esquece - que nem todos os desembarcados regressaram de vez, desiludidos e vencidos: a maior parte terá vindo a férias, alguns regressaram triunfantes. Mas o facto só modestamente retira valor e forca à crítica a fazer à carência de povoamento do ultramar.

A realidade, porém, talvez seja ainda mais dura do que à primeira vista pude afigurar-se. Terei ocasião de a analisar na altura em que me debruçar exclusivamente sobre o problema do povoamento das províncias ultramarinas.

Sr. Presidente: atravessa o distrito de Aveiro um excepcional período de desenvolvimento; pode mesmo dizer-se, afoitamente, que vive uma das épocas mais prósperas da sua história. Nele se tem reflectido, como talvez em poucos, o incremento da industrialização. os que concretizaram a sua vontade de sair; quantos mais não terão podido, por variadas razões, realizar esse sonho?

Efectivamente, ao percorrer o distrito verificamos logo aos primeiros contactos que a industrializarão, por um lado, e a emigração, por outro, roubaram o homem à terra, Regiões inteiras há onde é raríssimo encontrar homens com menos de 40 anos entregues aos trabalhos agrícolas. E se a mecanizarão é difícil, em face da fragmentação da propriedade e do fraco rendimento das culturas, o menos que virá a suceder dentro de dez ou quinze anos é o pousio das terras cultiváveis.

Foco um caso concreto.

Na pequena lavoura, que mantenho perto de Águeda tenho alguns velhos e dedicados trabalhadores, que não sei, às vezes, só sentirão maior amor a terra que cavam do que eu próprio, que a herdei e a trago no coração, uma dúzia de homens - rudes, sãos e mal pagos; mal pagos porque a lavoura só mal é que pode pagar. Todos têm mais de 40 anos e conformaram-se já com o que a vida lhes reservou. Alguns têm filhos; dois ou três numerosos rancho. Pois bem: nenhum desses rapazes se dedicou à agricultura e os que ainda são catraios (como se diz por lá) pensam já nas fábricas, na cidade, no estrangeiro.

A terra perdeu a cartada.

Eis o caso que eu próprio posso testemunhar. Ampliemo-lo agora à própria aldeia; passemos ao concelho, abarquemos o distrito: o quadro é idêntico, terrivelmente idêntico. A agricultura ou não tem quem se sirva ou só encontra braços cansados. A juventude não foge dos campos: fugiu já definitivamente, e no pé em que as coisas se encontram não vejo processo de a fazer regressar.

Já em fins de 1873 Alexandre Herculano clamava contra o êxodo rural e solicitava providências no sentido de se evitar o despovoamento dos campos. Antes dele e depois dele muitas vozes, porventura tão autorizadas como a sua, chamaram a atenção dos governos para a gravidade do problema, sem que nada ou quase nada tivessem conseguido.

Agonia atroz de uma velha moribunda: a agricultura portuguesa ! ...

Mas até os que já não se enquadram na pobreza resultante da vida rural e se dedicam a outras actividades querem sair.

O facto significa, pelo menos, que a melhoria proveniente da industrialização não foi tão acentuada que bastasse para prender os portugueses a Portugal.

Se as portas das fronteiras se abrissem e a emigra vão deixasse de viver no condicionalismo em que se encontra, podemos estar certos de que sairia do País a maior parte do nosso proletariado rural e fabril.

Quadro negro e quadro sinistro, que acusa e que responsabiliza todos os que durante séculos fingiram procurar resolvê-lo, agravando-o cada vez mais.

No fim de contas, «a questão resume-se n achar os meios de inventar e de reter dentro do País. por todos os modos que se reputem lícitos, trabalhadores rurais».

Confrangedora realidade!

Sendo a nossa emigração de origem predominantemente rural, o Estado, abandonando a agricultura ou não a protegendo, permitindo, por força da precariedade de condições económicas em que a lavoura se debate, o pagamento de salários sub-humanos, parece apostado em favorecer a emigração.