sequer «buraco onde vivam». O buraco é a casa, é viver debaixo de telha, é ter calor na lareira!

Que melhor emprego, pois, do Fundo do Abono de Família do que ajudar à grande empresa de obstar a que haja famílias sem lar?

É obra que decerto há-de merecer o prémio mais consolador: o louvor e a gratidão dos humildes e as bênçãos de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: no passado dia 19 o País foi dolorosamente surpreendido com a notícia da perda do Prof. Doutor Aureliano Lopes de Mira Fernandes; incontestável, inestimável perda, não só para Portugal, mas para o Mundo inteiro.

A Universidade Técnica perdeu realmente o grande mestre que era o Prof. Mira Fernandes, embora, teoricamente, tivesse já perdido o seu concurso diário no ano em que, por imperiosa e intransigente determinação legal, foi obrigado a deixar a sua cátedra, onde, durante mais de quarenta anos, exerceu, com inexcedível brilhantismo e dedicação, a espinhosa e delicada função de ensinar.

Mestre Mira Fernandes soube devotar-se integralmente à investigação científica e aos seus alunos.

Licenciado em Coimbra, na extinta Faculdade de Matemática, conquistando as mais elevadas classificações, obteve no ano seguinte as da sua licenciatura, e após as necessárias provas, o grau de doutor em Matemática.

Possuidor de rara intuição e das mais vastas possibilidades nesse campo científico, qualidades já demonstradas e exuberantemente manifestadas durante o seu curso superior, mereceu a honra de nomeação de professor catedrático do Instituto Superior Técnico em 1911.

Em 1918 foi nomeado professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, exercendo cumulativamente os dois cargos, sabendo influenciar de maneira decisiva as diversas e sucessivas gerações que tiveram a felicidade de sentir a ação pedagógica do grande mestre. Mestre tão grande que criou uma escola, e ainda hoje os seus discípulos gozam do prestigio que lhes foi comunicado pelo facto de terem sido discípulos do Prof. Mira Fernandes.

Considerado como o maior entre os maiores valores portugueses no campo da matemática, o Prof. Mira Fernandes era credor da maior consideração e do maior respeito nos meios internacionais; a sua extraordinária cultura e o seu infatigável labor científico permitiram que desenvolvesse uma notabilíssima acção como investigador.

A inconfundível personalidade do mestre que se perdeu deixa vago um lugar difícil de preencher no campo da investigação das matemáticas puras.

Nos dois estabelecimentos de ensino superior onde, através dos anos, exerceu, com a maior dignidade, aprumo e superior competência, a actividade docente permanecerá intensa a saudade pelo mestre bondoso, compreensivo, mas mestre sempre e acima de tudo, saudade agora mais intensamente sentida pela sua desaparição do tablado da vida.

Os trabalhos deixados pelo saudoso mestre são tantos e de tão grande e comprovado valor que me parece desnecessária qualquer citação especial.

Merece igualmente ser rememorada a sua actuação como Deputado às Constituintes, após a proclamação da República.

Sr. Presidente: pareceu-me da mais elementar justiça o que considerei meu dever: uma palavra de respeito e de muita gratidão pelo mestre, homem simples, de modéstia impressionante, afável, equilibrado, digno, justo, consciente, probo, respeitável e respeitado, que através de toda uma longa vida de professor soube conquistar um amigo em cada aluno.

O mestre desapareceu, mas o seu entusiasmo, o seu trabalho, a sua obra, permanecerão eternamente em toda a sua amplitude, para glória do seu nome, dos estabelecimentos de ensino onde serviu e da pátria que o viu nascer.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

fundamentalmente um meio: um meio de realizar aqueles outros dois escopos que apontei: o de servir a sua pátria e o de proporcionar momentos de felicidade ou de elevarão, às vezes inesquecíveis, a quem doutra forma os não poderia alcançar.

Para atingir o primeiro objectivo teve sempre a preocupação de incluir nos seus programas, em Espanha, em Franca, na Bélgica, na Holanda, música de compositores portugueses, cujo nome e cujas obras teve assim o ensejo de tornar conhecidos e apreciados lá fora.

Na consecução do segundo objectivo, deu concertos aos operários, aos doentes, e até aos reclusos da Penitenciária, que lho agradeceram num telegrama onde diziam: «enquanto ouvimos a sua música não nos sentimos presos».

Mas esta actividade de pianista, que constituía toda a razão da sua existência, acabou por sacrificá-la D. Elisa de Sousa Pedroso a um fim ainda mais elevado: o da criação, em 1934, do Círculo de Cultura Musical, uma vez que o trabalho exaustivo que este demandava era absolutamente incompatível com as seis horas de estudo diário que como pianista se impunha até então.

Todos sabem o que foi a acção verdadeiramente notável que esta organização exerceu e exerce na propaganda da música em Portugal e na propaganda de Portugal no estrangeiro, mercê da música.

Com efeito, vai fazer vinte e cinco anos, os milhares de sócios do Círculo têm podido ouvir, directa e pessoalmente, em condições económicas que podem dizer-se únicas, as figuras mais célebres da música mundial, como Friedman, Backhaus, Giesking, Ficher, Rubinstein, Moiseiwitsch, Cortot, Stokowsky, Sargent, Barbirolli, Paray, Kubelik, Markewitch, etc.. sem falar nas orquestras e conjuntos artísticos mais notáveis.

Mas a insatisfação é própria de todos os artistas. E, assim, Elisa de Sousa Pedroso nunca se deteve,