porque cada triunfo constituí o apenas o ponto de partida para uma nova realização.

Depois de o Círculo ter criado raízes em Lisboa, à custa de esforços constantes e transpondo obstáculos que só o seu dinamismo venceria, estendeu a sua acção - para falar apenas daqueles centros onde a sua iniciativa ainda hoje perdura - ao Porto, Coimbra, Ponta Delgada, Lourenço Marques, Luanda, Nova Lisboa, Lobito, Benguela, Beira, Macau e Goa, a denunciar bem o alto espírito patriótico e, direi mesmo, o sentido político desta obra magnífica.

O Círculo de Cultura Musical, ou, com mais precisão, a sua eminente presidente, passou a ter no meio internacional da música uma posição de excepcional destaque.

Não apenas, o que já seria bastante, porque, com todas as suas ramificações através do mundo português, o Círculo estava em condições de poder oferecer nos artistas estrangeiros condições de contratos que a maioria das organizações congéneres não podia. Mas principalmente pelo pr acolhedora, onde muitíssimos deles e dos mais célebres se hospedavam durante o tempo da sua estada em Lisboa, levando assim depois nas suas peregrinações permanentes pelo Mundo o eco da gentilíssima hospitalidade portuguesa. Ali estiveram Casals, Honegger, Backhaus, Nikita Magaloff, Iturbi, Paul Paray, Risler e tantas dezenas de outros!

Como a casa era grande e dividida por andares, acontecia que às vezes os artistas, com a total independência que Elisa Pedroso lhes preparava, passavam dias sem ver a anfitriã, como noutras ocasiões chegavam de improviso, sem ela saber. Ali preparavam os seus concertos, ali recebiam os seus amigos, ali davam as suas entrevistas, ali esboçavam planos de futuros contratos - num à-vontade completo, sem restrições nem protocolo.

Não foi sem razão que Backhaus classificou Elisa Pedroso de «incomparável mecenas»; Honegger lhe chamou «patronne des musiciens» e Francis Poulone, o eminente autor da ópera que com tanto êxito há dias se estreou em S. Carlos, dela escreveu que, além do uma grande pianista, era uma «incomparável amiga dos artistas».

Cumpre realçar que quem isto fazia não tinha a fortuna que seria necessária para esta perdulariedade poder realizar-se sem algum sacrifício.

Uma das mais conhecidas revistas italianas contava recentemente um episódio que dá bem a medida do ambiente que ali se vivia: um dia, cerca das 10 horas da manhã, Elisa Pedroso é acordada ao som das maravilhosas arcadas de um violino, som que vinha do andar inferior. Levanta-se, veste um robe de chambre e

dirige-se à sala donde a música partia. Era nem mais nem menos que Yehudi Menuhin, que, de pijama, ensaiava.

Sentou-se silenciosamente numa cadeira e ali ficou embevecida a ouvir o extraordinário virtuose.

Ao cabo de uma hora, tendo terminado o seu exercício, Menuhin dirige-se finalmente à sua discreta e solitária ouvinte: «Peco-lhe que diga a M.mo Pedroso que lhe agradeço profundamente a sua bela hospitalidade»; ao que a dona da casa apenas contestou: «Dir-lhe-ei».

Foi num desses dias em que a casa da Rua do Borges Carneiro rebrilhava de celebridades que a Elisa Pedroso ocorreu dizer-lhes para imortalizarem a sua passagem naquelas salas apondo a sua assinatura numa das portas.

Três décadas passadas, são catorze os batentes onde, refulgem mais de quinhentas assinaturas das maiores notabilidades artísticas que nesse espaço de tempo vieram a Portugal, ao lado das assinaturas dos primeiros artistas portugueses.

É como essas portas, que são hoje célebres, especialmente no meio musical de todo o Mundo, são enquadradas por largas paredes literalmente recobertas de centenas e centenas de retratos igualmente autografados de artistas de todas as nacionalidades, tem-se a sensação, quando se entra naquele ambiente, de que os próprios muros vibram o toda uma harmonia musical ecoa naquelas salas ...

Mas não era apenas para os grandes que aquela casa se abria. Ela estava igualmente, e mesmo especialmente, aberta para todos os novos, para todos os desconhecidos, para todos os que lutam à busca do um triunfo, para todos os que são apenas sedentos de beleza.

Não foi sem forte motivo que ela foi escolhida para o honroso cargo de presidente da Federação Internacional das Juventudes Musicais.

D. Elisa Pedroso não tinha horas para receber os seus amigos, nem os seus artistas, nem os seus protegidos.

Havia os que jantavam, os que apareciam depois de jantar, os que vinha depois do cinema e os que chegavam depois das 2.ªs sessões das revistas.

Às 2 horas da manhã batia-se àquela porta com a mesma sem-cerimónia e a certeza de não despertar nenhum espanto como quando se chega às 9 horas e 30 minutos ou às 10 horas a casa de qualquer mortal.

Discutiam-se ideias, conversava-se sobre arte ou assuntos graves, quando não se ria largamente com as histórias representadas pela dona da casa - senhora de um dom caricatural que raros terão excedido.