Dizia-se em 1955:

As somas gastas em hidráulica agrícola atingem quantias muito elevadas. É preciso tomar medidas no sentido do conveniente aproveitamento das possibilidades que já existem.

No parecer 49/VI da Câmara Corporativa, publicado em actas de 26 de Março de 1957, a que adiante aludiremos, encontra-se transcrito o seguinte despacho do Sr. Presidente do Conselho:

Só para as obras consideradas 1 o Tesouro podia receber em 1953 mais de 6000 contos e, de 1954 a 1958, 9700 contos por ano. Vários milhões vão já perdidos por não se terem realizado as condições e que dependem as cobranças e por se não terem promovido estas. Várias consequências muito sérias resultam do actual estado de coisas: uma, o prejuízo natural do Tesouro, que a certa altura não pode continuar a considerar as obras de hidráulica agrícola como reprodutivas; outra, a injustiça que representa para os não beneficiados, que são a grande massa dos Portugueses, gastarem-se verbas muito avultadas em proveito de uma minoria privilegiada; a terceira, a mais grave, habituarem-se os regantes à gratuitidade da água de rega e tornar-se cada vez mais difícil, em face do estado de espírito que naturalmente neles se cria, levar esses beneficiários da água de rega a considerarem-se devedores das taxas legais.

Encontramo-nos, pois, em face de um problema grave que se vem arrastando sempre com a mesma feição: mercê de causas a remover, os utentes não pagam as taxas devidas pela água de rega; até agora essas causas não foram removidas e o Governo viu-se, com intervalo de seis anos, obrigado a prescrever por duas vezes o adiamento de obras até resolução do problema (Lei n.º 2058, base VI, proposta base X). Vejamos sumariamente os termos da questão.

Há, por assim dizer, dois problemas de ordem jurídica a resolver e são precisamente aqueles a cuja solução a base X condiciona a execução das novas obras de hidráulica agrícola previstas no Plano: O problema das taxas de rega;

b) O problema da reorganização agrária através da colonização interna. a) O regime jurídico vigente consta dos diplomas seguintes:

Perante n situação criada, o Governo remeteu à Câmara Corporativa a (proposta de lei n.º 46 (regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola). Essa proposta tem parecer da Câmara Corporativa, de que constam modificações de fundo. O respectivo diploma legislativo não foi, porém, ainda aprovado.

O sistema vigente (embora inaplicado) consta da base VI da Lei n.º 1949, onde se formulam os princípios seguintes:

1)0 Estado será reembolsado das despesas efectuadas com os estudos, organização dos projectos e execução das obras de fomento hidroagrícola por meio de uma anuidade fixa por hectare denominada « taxa de rega e beneficiação».

2) A anuidade é igual, para cada projecto, à amortização, em cinquenta anos, do custo por hectare calculado às taxas de 4, 3 e 2 por cento, respectivamente para as terras de 1.ª, 2.ª e 3.ª classe.

3) O valor actual das anuidades a pagar não poderá nunca exceder a mais-valia resultante das obras efectuadas 1.

Significa isto (cf. voto do Digno Procurador António Curiós de Sousa no parecer n.º 49/VI) que a anuidade só valeria na medida em que se contivesse na mais-valia. Resultava daqui que só no caso em que esta excedesse aquela - caso pouco provável, dada a onerosidade da anuidade teórica calculada sobre o capital integral e a uma taxa de juro relativamente alta- o beneficiário quinhoaria no acréscimo de rendimento agrícola produzido pela obra, o que seria manifestamente injusto.

Mas seja como for. O princípio da mais-valia encontrou relutâncias num meio dificilmente permeável a inovações fiscais de aplicação mais delicada. Alegou-se o facto (o próprio Sr. Presidente do Conselho faz-lhe referência no seu já aludido despacho) de que o vendedor de terrenos regados pode, na fase actual, realizar um autêntico locupletamento à custa alheia. Não vale a pena prosseguir. São conhecidas as dificuldades de fazer cumprir a lei. E essas falam por si ...

Em presença da grave situação criada, o Governo elaborou a já citada proposta de lei n.º 46, enviada à Câmara Corporativa e com parecer já elaborado (Actas, 26 de Março de 1957).

Segundo essa proposta, o Governo abandona o sistema da subordinação u mais-valia e estabelece que a amortização de cada obra se faça mediante uma anuidade calculada sobre 50 por cento do custo das obras, à taxa de desconto do Banco de Portugal e no prazo de setenta e cinco anos [vid. alíneas a) a f) do n.º l da base XV da referida proposta]. Quer dizer, o Governo oferece, por metade da despesa feita, uma dádiva e um empréstimo.

O sistema da proposta é sensivelmente mais suave do que o da Lei n.º 1949: o cálculo incide apenas sobre metade do preço da obra e a taxa é. pelo menos actualmente, muito mais baixa (2,5 por cento). Além do que está inteiramente desligado do factor mais-valia.

A Câmara Corporativa, no seu citado parecer, afastou-se, porém, do sistema da proposta. Sugere o retorno ao princípio da mais-valia da Lei n.º 1949. com a diferença de que o valor da taxa de rega e beneficiação será calculado de forma a não exceder 80 por cento da mais-valia resultante da beneficiação. Os juros, por sua vez. serão de um ponto mais baixos do que os da Lei n.º 1949. No já citado voto em separado do Digno Procurador António Carlos de Sousa lêem-se estas palavras:

Em todo este complexo problema do regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola julgo que seria preferível articular disposições mais concretas, mais simples e mais rígidas, a fim de reduzir

1 Áreas entregues às associações de regantes e beneficiários até 1949.

1 Vide restantes modalidades da base referida.