(...) plícita no desenvolvimento do pensamento de V. Exa., que perfilho, não é indispensável a uma reorganização prévia da empresa para fugir à exigência de sindicatos separados.
O Orador: - b) Segundo ponto a que pretendo ainda referir-me é o dos problemas de transição que não deixarão de surgir como consequência da passagem operada num espaço curto de um grande número de trabalhadores do sector rural para o sector industrial.
O homem que vive no campo pode viver pobremente; mas, na humildade da sua condição, vive integrado num mundo de ideias e valores murais que demoraram séculos a estratificar e que, passando de geração em geração, criam um sistema de disciplina e de normalização de toda a vida de relação.
A experiência mostra, porém, que, transplantado da aldeia à cidade, o homem não transporta consigo o estilo tradicional do seu viver. Pelo contrário, desnuda-se dele quase subitamente, sem entretanto assimilar o sistema próprio das relações urbanas - que também é uma realidade. Como se se tratara de uma transplantação sem raízes, ele sente-se um desgarrado e cai muitas vezes nos mais baixos estádios da degradação humana.
Já uma ve z disse nesta mesma tribuna que não é verdadeira a versão romântica dos que supõem que os bairros de latas são formados pelas excrescências expurgadas pelas grandes cidades. Na sua maioria a população que neles se acumula, e que sob o tecto dos casebres leva uma existência aberta, é gente vinda das aldeias, gente que há meia dúzia de anos levava uma vida digna, pautada pelas normas de uma exigência ética local.
A perigosidade social dessa degradação não carece de ser sublinhada.
Receio que o desenvolvimento das possibilidades do emprego industrial, desencadeando uma transferência em grande escala de gente do campo para a cidade, possa vir a reflectir-se num abaixamento do teor moral da vida da população. E não deixará de ser assim se não se tomarem medidas, em escala proporcional à previsível amplitude do fenómeno, que assegurem o enquadramento humano nos aspectos religioso, educativo, sanitário e habitacional da gente que vier a ser deslocada das suas ocupações tradicionais.
c) Por último, devo fazei uma breve nota sobre as consequências do aumento do rendimento nacional, em vista fio qual se concebeu o Plano.
O problema português do rendimento não é hoje unicamente o do seu baixo nível; é também o da sua má distribuição, e se, sob o ponto de vista puramente económico., esta pode não ser ainda muito saliente, sob o ponto de vista da sua ressonância social apresenta-se revestida de uma acuidade que sentimos crescer de dia para dia.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Carlos Moreira: - Todavia não acho que seja deveras saliente para se dar por essa má distribuição.
O Orador: - Tenho procurada voluntariamente pôr-me fora da linguagem dos economistas. Não sei se economicamente isso é de alarmar os técnicos, mas suponho que não, porque, se o fosse, talvez eles não tivessem deixado chegar o fenómeno ao estado actual.
O Sr. Dias Rosas: - Não é o pensamento doa técnicos que está em causa, mas a actuação política, porque, realmente, até do ponto de vista económico é altamente preocupante, no caso português, essa desigual distribuição da riqueza, quando se pensa, como político, na desejada aceleração do ritmo da expansão do rendimento.
O Orador: - Como se vê, os economistas dão-me também razão; sobre a perigosidade social desses desníveis, não tenho, como político, dúvidas nenhumas.
A desigualdade dos rendimentos, a coexistência de um sector que pode levar uma vida sumptuária (lembro que somos em todo o mundo um dos principais importadores de antiguidades, facto que reputo extremamente significativo) com uma maioria que vive na modéstia e importantes grupos que vivem abaixo daquele mínimo a que todos os homens têm o direito de aspirar criou estados de tensão latente que são já hoje um motivo de inquietação o que, senão forem corrigidos, se poderão transformar em grave factor de perturbação na vida nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
diminuição das situações geradoras de tensão social.
Quero concluir, Sr. Presidente, prestando ao Governo, e especialmente aos governantes a quem tocou o encargo de orientar e coordenar o II Plano de Fomento, uma homenagem, que deixei para o fim para que ela se não pudesse confundir com a manobra solerte e bem conhecida de começar por esparzir doces palavras sobre o terreno onde se pretende logo a seguir passar a vassourada da contestação mais completa.
O projecto do II Plano de Fomento é, na história da nossa governação moderna, um dos factos mais notáveis, mais esclarecidos, de significado mais verdadeiramente nacional. Assim o sinto, nào obstante as objecções que acabo de formular; e nem a circunstância de tal Plano ter sido subtraído à discussão parlamentar me isenta da obrigação de assim claramente o dizer.
A direcção dos trabalhos preparatórios e a do próprio Plano e medidas com ele conexas, e orno a da organização do Banco de Fomento, estiveram a cargo do Ministro da Presidência, posto ocupado durante todo o período em que os mesmos trabalhos duraram pelo Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano. Tá nesta tribuna foram proferidas, e por oradores mais autorizados do que eu, as palavras de homenagem que na verdade se não podem calar.
Vozes: - Muito bem!