O Orador: - Ao ilustre homem público já o País devia os serviços mais assinalados, como jurista que tem honrado a ciência do direito pátrio, como legislador, a quem se deve o Código Administrativo, como doutrinador da juventude, como homem de nobre exemplo, cuja inteligência se não embala nos jogos das palavras e procura atingir o tutano da verdade.

Ao coordenar o II Plano de Fomento, o seu nome fica ligado ao mais importante planeamento de acção nacional até hoje formulado e que ficará servindo de prova iniludível, que poderá ser invocada a todo o tempo, da seriedade dos processos de que se serviam os governos da Evoluçào Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Penso que este diploma poderá vir a ficar na história do nosso país como marco decisivo, ponto de partida do uma profunda transformação da vida portuguesa. Prematuro seria, porém, dizê-lo, porque poderá também não ser assim. Além dos condicionamentos de ordem externa, sucede, como, aliás, já criteriosamente se observou, que a execução não é menos importante que a concepção. Quem não quiser ser temerário só muito mais tarde se poderá pronunciar sobre n importância do Plano, sob o ponto do vista dos seus resultados efectivos.

O mérito que importa saudar nele desde já é o da sua importância como programa de acção nacional durante um período do .seis anos e o seu eloquente significado como facto político.

Desde os princípios do século passado tem sido característica da nossa vida política n confinarão da actividade governativa aos problemas de superfície, à resolução das questões mais imediatas, à gestão da matéria corrente que constitui a administ ração quotidiana. Não se ignorava a existência de questões de fundo, de cuja resolução dependia tudo o que, afinal, era essencial; e alguns lúcidos espíritos, situados fora do campo da política activa, claramente, os apontaram, Mas as próprias condições em que decorria a vida política impediam não só que se lhes prestasse atenção, mais ainda que entendesse que o resolvê-las era matéria da competência obrigatória do Governo.

Na base dessa situação de alheamento do Governo em relação às questões basilares estava um fenómeno ao qual não será inútil prestar um momento de atenção: a importância dominadora e quase exclusiva que a política assumia no conjunto das preocupações funcionais dos governantes. E que ao quadro das realidades que formam a vida verdadeira - realidades do espírito, da vida social, da cultura, da economia - viera somar-se, desde o advento do liberalismo, uma nova categoria de interesses: os estritamente políticos, e estes não consistiam em descobrir de qualquer solução política, e como tal de ordem prática. Teve para isso de se introduzir nele uma correcção que consistia em pressupor no indivíduo uma espécie de alma artificial, com a qual depois se manobrava.

Não se admitia o homem chefe de família, trabalhador num grupo, solidário no interesse, morador num lugar, membro de qualquer estrutura, mas pressupunha-se necessariamente nele uma outra qualidade: a opinião política - e admitia-se que tal opinião seria o factor determinante das suas atitudes e das suas determinações como ser social.

Foi nessa base que se construiu todo o sistema da política partidária. Visto que todo o indivíduo tinha opinião política, o conjunto dos grupos representantes fios vários sectores de opinião apresentava-se como exprimindo o conjunto da opinião nacional. Governar era satisfazer as pretensões dos grupos representantes, o que, na lógica do sistema, significava dar cumprimento à vontade das maiorias supostamente representadas.

Era um sistema de ficções, imaginado para traduzir um sistema de realidades. O Governo, colocado na dependência das maiorias políticas, era a cúpula deste sistema convencional. Como nào podia deixar de ser, as convenções engendravam exigências próprias, que estavam bem longe das questões verdadeiras que atormentavam a carne e a alma da Nação. O labirinto das lutas partidárias nào tardou a surgir como um problema novo e autónomo, reclamante de todas as atenções. Os problemas de fundo foram sendo, não própria m ente adiados, mas com mais propriedade se dirá: relegados à resolução da Providência.

A esta luz, o simples facto da elaborarão do II Plano de Fomento - e o mesmo se poderia dizer de alguns outros grandes diplomas tias últimas décadas - pode invocar-se como prova real da superioridade dos governos nacionais sobre os governos de tipo político ou de base partidária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As carências que agora se procura remediar eram preocupação de muitos portugueses muito antes de nós falarmos delas; mas a verdade é que até agora nenhuma situação se tinha mostrado capaz de as resolver ou sequer de as enunciar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não era apenas, nem era principalmente, a estreiteza dos recursos materiais que lhe impedia a resoluçào; também não ora a falta de inteligência dos homens ou a falta de honrado desejo de acertar e bem servir.

O impedimento era de ordem funcional e estava na própria medula do regime: entre o Governo e a Nação interpunha-se a realidade autónoma e isoladora da política; e não era à Nação, mas à política, que os governos tinham de prestar as suas contas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!