Não obstante a ultrapassada tese da "neutralidade" das finanças, parece haver quem continue a pôr em relevo as dificuldades que pude suscitar a utilização dos meios financeiros como possível processo de atenuar deficiências de natureza social, através de uma equilibrada redistribuirão de rendimentos.

No entanto, e independentemente das discussões que em pormenor e em profundidade a tal respeito possam engendrar-se, afigura-se, existirem determinadas situações no campo fiscal solicitando imediata correcção, a qual, uma vez feita, não deixará de ter benéficos reflexos sociais e políticos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, por um lado, e antes de mais, importa fazer com que o objecto sobre que incide a tributação corresponda a realidades efectivas, e não a fantasmas ou deturpações dessas realidades.

De um modo especial, é necessário que os impostos sobre os rendimentos passem a recair sobre rendimentos reais, ou, quando existam dificuldades técnicas atendíveis, passem, em todo o caso, a incidir sobre rendimentos determinados através de processos e índices que garantam um apuramento tanto quanto possível em harmonia com a realidade.

No que diz respeito, por exemplo, à propriedade rústica, já se tem caminhado em termos dignos de louvor, mediante a instituição do regime cadastral. Impõe-se, no entanto, intensificar a acção em tal sentido, por modo que a grande propriedade pague ao Estado aquilo que deve pagar, e não, como por vezes acontece, importâncias que são ridículas se se tiver em conta o montante dos valores em causa. E digo a grande propriedade porque, pelo menos na minha região, a situação dos pequenos proprietários é quase tão dramática como a dos assalariados rurais.

Por outro lado, é preciso olhar com particular atenção e firmeza as grandes organizações industriais e comerciais, adoptando medidas decisivas para evitar fugas ao imposto.

Eu sei que tudo isto implica problemas que não são tão fáceis de resolver como à primeira vista poderia parecer. No entanto, e não obstante as dúvidas e dificuldades a tal respeito levantadas, talvez esteja indicado refundir e actualizar os princípios reguladores da escrituração comercial, em termos do poder constituir uma base séria e eficaz, em vista do apuramento da matéria colectável, o que, por certo, será conseguido se a nova regulamentação for acompanhada de sanções penais para as irregularidades e falsificações de tal gravidade que antecipadamente desanimem mesmo os mais atrevidos e audaciosos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cumpre, aliás, observar que estes e outros aperfeiçoamentos de feição predominantemente técnica nem sequer implicam a actuação de novos conceitos e princípios políticos. Na verdade, a eles preside tão-somente o objectivo de fazer imperar a verdade no apuramento da matéria colectável, condição imprescindível para que as leis vigentes tenham efectiva e real aplicação.

Para além disto, porém, impõe-se também que se enfrentem e resolvam os próprios problemas de fundo de natureza fiscal, à luz das novas realidades e exigências de natureza social, dos mais recentes conceitos e critérios, e, designadamente, do espírito e preocupações de justiça social informadores do sistema.

É verdade que os problemas fiscais, pelos seus largos reflexos, revestem vincado melindre. É verdade também que só uma margem de lucro razoável estimula os empreendimentos do capital e compensa os correlativos riscos, pelo que, como já tem sido dito, se não pode "matar a galinha dos ovos de ouro".

No entanto, entre os dois limites extremos, definidos, de um lado, pela situação actual e, de outro lado, pelo perigo de morte "de tal galinha", creio existir um largo espaço, adentro do qual podem ser elaboradas soluções que, respeitando os legítimos interesses do capital, permitam simultaneamente prosseguir uma política social eficaz.

Por certo, a prevista reforma fiscal virá de encontro às preocupações postas. Não pode ser, é claro, uma mera compilação do textos legais, mais ou menos actualizados. Alguns desses textos têm meio século, e o mundo nos últimos cinquenta anos evoluiu séculos. Terá, pois, de ser uma verdadeira, reforma, dominada por princípios e espírito novos e realistas e tendo em conta, designadamente, a disposição constitucional -até hoje praticamente letra morta- segundo a qual pertence ao Estado regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão de manhã e de tarde. A sessão da manhã começará às 10 horas, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.

André Francisco Navarro.

Castilho Serpa do Rosário Noronha.

José Guilherme de Melo e Castro.

Júlio Alberto da Costa Evangelista.

Luís Maria da Silva Lima Faleiro.

Manuel Nunes Fernandes.

D. Maria Irene Leite da Costa.

Purxotoma Ramanata Quenin.

Sebastião Garcia Ramires.